11/05/2025 14h18
Evasão imunológica por transferência mitocondrial no microambiente tumoral
Texto por Robertha Lemes
A mutação de uma única célula, precursora de um tumor, poderia ser facilmente eliminada pelo sistema imune graças à atividade de células apresentadoras de antígeno, linfócitos efetores e células natural killers. No entanto, um microambiente rico em moléculas imunossupressoras (p. ex. CLT4 e PD-1) permite o crescimento descontrolado de células tumorais. Como consequência, o conglomerado de células tumorais cria um microambiente de hipóxia, baixa disponibilidade de glicose, e por seguinte, um aumento na glicólise anaeróbica, bem como a queda na fosforilação oxidativa mitocondrial (OXPHOS). Esse microambiente disfuncional gera uma reprogramação metabólica tanto nas células tumorais como nas células imunes infiltrantes. O intenso contato célula-célula (barreira física), o quadro de hipóxia e a presença de moléculas imunossupressoras desfavorecem a atividade efetora de células do sistema imune. No entanto, os mecanismos exatos que favorecem a anergia principalmente de linfócitos, são desconhecidos.
Um recente estudo publicado na revista Nature ‘Immune evasion through mitochondrial transfer in the tumour microenvironment’ (doi: 10.1038/s41586-024-08439-0), identificou um mecanismo de transferência celular que favorece o compartilhamento de mitocôndrias disfuncionais para linfócitos infiltrantes do microambiente tumoral (TIL), os tornando ineficientes.
Figura 1. Transferência mitocondrial e evasão imune
Legenda: Células tumorais transferem mitocôndrias mutantes e USP30 para linfócitos T CD8+ via mini vesículas (<200 nm), bloqueáveis por GW4869. Essa transferência induz uma disfunção nos linfócitos, com aumento de ROS e senescência, reduzindo sua capacidade efetora contra o tumor.
Inicialmente, os autores sequenciaram o DNA mitocondrial (mtDNA) de células tumorais e células TIL isoladas de biópsias de 12 pacientes com melanoma. Nestas análises foi observado um genótipo com mutações idênticas tanto nas mitocôndrias das células tumorais como nas mitocôndrias das células TIL, em amostras de 5 pacientes. Ao isolarem células tumorais (mtDNA mutantes ou não mutantes) e TIL (mtDNA não mutantes) e as colocarem em co-cultura in vitro, os autores observaram a transferência de mitocôndrias originárias das células tumorais para as células TIL. Em análises seguintes, os autores verificaram que essa transferência ocorre via contato célula-célula (microcanais formados por microtúbulos) e via fusão de mini vesículas (menores que 200 nm), que por sua vez pode ser revertida pelo tratamento com a droga GW4869.
Após a transferência mitocondrial, os autores observaram que ao longo do tempo, as mitocôndrias mutantes se tornavam dominantes (homoplasmia) nas células TIL, enquanto as mitocôndrias sadias (não mutantes) sofriam mitofagia por causa do acúmulo de ROS intracelular. Ao longo das análises, os autores observaram que as mitocôndrias mutantes eram resistentes à mitofagia devido à presença de USP30, enzima deubiquinizante que inibe a mitofagia promovida pela ubiquinização de parkina. A USP30, originária da célula mutante, apresentava-se acumulada nas células TIL após a transferência via mini vesículas (a mesma via que a mitocôndria mutante). O declínio na mitofagia foi revertido após o bloqueio da atividade de USP30 através do silenciamento via RNA de interferência ou pela ação da droga CMPD 39 em modelos in vitro.
Em um outro quadrante, ao avaliar o perfil funcional dos linfócitos TIL, que receberam mitocôndrias mutantes, os autores observaram que essas células apresentavam uma queda na atividade mitocondrial, aumento da senescência, queda na capacidade replicativa, aumento na morte celular, queda na maturação de células de memória, aumento de marcadores de exaustão celular e queda na expressão de moléculas de ativação como PD-1 e CD69 (após o estímulo com anti-CD3 e CD28). Apresentando desta forma um perfil disfuncional, o que justifica a incapacidade de conter o crescimento de células tumorais, que foi comprovado ao observarem uma queda na capacidade lítica em modelo in vivo. Ao finalizar os testes funcionais, os autores apresentaram potenciais alvos terapêuticos que podem ser aplicados em futuros ensaios clínicos. Dentre eles, o tratamento concomitante entre anti-PD-1 e a droga GW4869 apresentou-se promissor ao conter o crescimento tumoral, em modelo in vivo.
Diante dessas descobertas, os autores revelam um mecanismo até então desconhecido de evasão imunológica do câncer por meio da transferência mitocondrial, que pode contribuir para o desenvolvimento de futuros alvos imunoterápicos contra o câncer.
Artigo original: Ikeda, H., Kawase, K., Nishi, T., Watanabe, T., Takenaga, K., Inozume, T., ... & Togashi, Y. (2025). Immune evasion through mitochondrial transfer in the tumour microenvironment. Nature, 1-12. https://www.nature.com/articles/s41586-024-08439-0
Sobre a autora: Dra. Robertha Lemes atua como pesquisadora pós-doutoranda no Laboratório de Inflamação e Dor (LID), na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP).
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