01/04/2025 13h28
Exercício Físico na Gestação: Benefícios Metabólicos para os Descendentes
Dr. Paulo de Melo
A herança materna transcende a transmissão de fatores genéticos clássicos (genes, microRNAse alterações epigenéticas), mitocôndrias, anticorpos transferidos via placenta ou leite, e até mesmo a microbiota. Estudos recentes em modelos experimentais e humanos destacam que o perfil metabólico materno exerce impacto decisivo na saúde da prole na vida adulta. Nesse contexto, evidências científicas demonstram que a prática de exercícios físicos durante a gestação promove benefícios metabólicos duradouros nos descendentes, conferindo maior resiliência à obesidade e à resistência à insulina. Dois estudos publicados nas revistas Science Advances e Nature Metabolism elucidaram mecanismos moleculares envolvidos nesse processo, identificando moléculas sinalizadoras induzidas por exercício físico, denominadas "exercinas", que atravessam a barreira placentária e modulam a expressão gênica fetal.
Em 2020, um estudo pioneiro da Washington State University (EUA), liderado por Jun Seok Son e Min Du e publicado na Science Advances, revelou que a prática de exercícios físicos durante a gestação induz melhorias duradouras na capacidade termogênica da prole. Para isso, camundongos fêmeas previamente adaptados a corrida em esteira foram mantidos em um protocolo de 60 minutos diários de exercício durante a gestação. Comparadas às mães sedentárias, as mães exercitadas apresentaram secreção aumentada de apelina – uma exercina produzida e liberada pelo tecido adiposo marrom (TAM) durante a atividade física. A apelina materna em circulação sistêmica estimulou o desenvolvimento do TAM nos fetos, efeito que persistiu após o desmame. A prole, independentemente do sexo, exibiu maior expressão de proteínas termogênicas (UCP-1, PGC-1α e PRDM16) no TAM e no tecido adiposo subcutâneo. Essa ativação da termogênese conferiu proteção da prole contra obesidade e resistência à insulina na vida adulta, mesmo sob dieta hipercalórica.
Acrescentando uma nova peça a esse quebra-cabeça científico, um estudo publicado na Nature Metabolism (2025) por Hu-Min Chen e Liang Guo, da Universidade do Esporte de Xangai (China), identificou um novo mecanismo envolvendo a exercina SERPINA3C. Utilizando um protocolo experimental semelhante ao anterior, os pesquisadores agora demonstraram que a SERPINA3C, uma inibidora de protease secretada pelo tecido adiposo branco (TAB) materno durante o exercício, atravessa a barreira placentária e acumula-se na circulação fetal. A exposição pré-natal à SERPINA3C associou-se a redução significativa da adiposidade e da infiltração de macrófagos inflamatórios no TAB da prole, mesmo sob dieta hipercalórica. Além disso, observou-se melhora na homeostase metabólica, com menor incidência de complicações associadas à obesidade, como dislipidemia e esteatose hepática na vida adulta da prole.
Os mecanismos envolvidos: Ambos os estudos demonstraram que as exercinas maternas ativam a enzima TET (ten-eleven translocation) nos descendentes, promovendo a desmetilação do DNA em regiões promotoras de genes cruciais para o metabolismo do tecido adiposo. A apelina promove a desmetilação da região promotora do gene Prdm16 que codifica é um fator de transcrição crítico para a biogênese e manutenção dos tecidos adiposos termogênicos. Já a SERPINA3C inibe a atividade da catepsina G no ambiente intersticial dos adipócitos brancos, o que preserva a sinalização de integrina β1/Akt – crucial para a manutenção do metabolismo basal dessas células. Essa sinalização promove a ativação da TET, desmetilando a região promotora do gene de Klf14 (Krüppel-like factor 4), um fator de transcrição essencial para a adipogênese. Isso explica os benefícios metabólicos persistentes do eixo materno exercício/SERPINA3C, mesmo na prole adulta.
Implicações clínicas: Estes estudos sugerem que a prática regular de exercícios durante a gestação pode proporcionar benefícios metabólicos duradouros aos descendentes, atenuando os riscos de distúrbios metabólicos mesmo em contextos de obesidade. O conceito de "obesidade metabolicamente saudável" (pessoas com IMC > 30 sem comorbidades associadas), embora controverso, parece encontrar respaldo nestes achados.
Perspectivas futuras: De acordo com o Dr. Paulo de Melo, a atividade física materna pode modular a programação metabólica fetal por meio de múltiplas exercinas. Enquanto a apelina atua na ativação termogênica, a SERPINA3C suprime processos inflamatórios no TAB, sugerindo um efeito sinérgico entre diferentes vias de sinalização. Os pesquisadores agora buscam validar esses achados em humanos, através de estudos observacionais e intervencionais em gestantes. Se confirmados, esses resultados poderiam influenciar recomendações clínicas para atividade física durante a gestação, destacando seus benefícios não apenas para a saúde materna, mas também para a saúde metabólica de longo prazo dos descendentes.. Essas descobertas reforçam a importância de políticas públicas que incentivem a prática de exercícios durante a gestação, visando à prevenção de doenças metabólicas em futuras gerações.
Referências:
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Jun Seok Son et al. Maternal exercise via exerkine apelin enhances brown adipogenesis and prevents metabolic dysfunction in offspring mice. Sci. Adv. 6, eaaz0359 (2020). DOI: 10.1126/sciadv.aaz0359
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Li, Y., Li, RY., Zhu, JY. et al. Maternal exercise prevents metabolic disorders in offspring mice through SERPINA3C. Nat Metab 7, 401–420 (2025). https://doi.org/10.1038/s42255-024-01213-6
Sobre o autor: Paulo de Melo é pesquisador pós-doutorando do Laboratório de Pesquisa em Doenças Metabólicas (LPDM-CRID) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). Dedica-se ao estudo da relação maternal programação metabólica do tecido adiposo e suas implicações para a saúde da prole.
GLOSSÁRIO
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Exercinas: Moléculas sinalizadoras induzidas por exercício que podem atuar como mediadores dos benefícios da atividade física.
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Tecido Adiposo Marrom (TAM): Tecido especializado cuja principal função é produzir calor (termogênese), contribuindo para o gasto energético.
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Alterações epigenéticas: Modificações reversíveis no DNA que não alteram a sequência genética, mas influenciam a expressão dos genes. Podem ser afetadas por fatores ambientais como dieta e exercício.
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