29/04/2025 20h29
Os impactos das alterações do ciclo sono/vigília materno na prole: implicações imunológicas e metabólicas
Dr. Paulo de Melo
Não é novidade que mudanças no ritmo de sono/vigília podem afetar múltiplos sistemas orgânicos em humanos. Fenômeno semelhante é observado em animais de experimentação, que desenvolvem alterações neurológicas, imunológicas e metabólicas quando submetidos à desregulação do ciclo circadiano. Recentemente, estudos têm destacado como perturbações no ciclo claro/escuro materno podem influenciar a prole desde a fase neonatal até a vida adulta.
Em 2024, um estudo de Cui e colaboradores, publicado na revista Nature Metabolism, demonstrou que a desregulação do ciclo circadiano materno durante a lactação compromete a síntese de ácidos graxos poli-insaturados pelo fígado materno, incluindo o DHA (ácido docosahexaenoico), impedindo sua transferência aos neonatos via leite materno. Como consequência da deficiência de DHA, observou-se falha no desenvolvimento de células mieloides supressoras no intestino de camundongos neonatos, essenciais para modular respostas inflamatórias.
Embora os filhotes amamentados por mães com ciclo circadiano alterado não apresentassem alterações anatômicas evidentes, exibiram quadros inflamatórios intestinais mais graves quando expostos à colite necrosante (doença comum em recém-nascidos), comparados àqueles amamentados por mães com ciclo circadiano preservado. Esse trabalho evidenciou, assim, o papel crítico da regulação circadiana materna na produção de metabólitos do leite que sustentam a tolerância imunológica na prole.
Isso ocorre porque, em condições normais, a ritmicidade dos genes hepáticos maternos sobrepõe-se à dos genes fetais. Quando o ciclo materno é alterado, há uma descoordenação entre essas ritmicidades, exigindo da placenta um aporte nutricional além da capacidade fetal. Ao nascer, os filhotes de mães com ciclos alterados eram menores, mas rapidamente igualavam-se em peso aos controles.
Entretanto, quando submetidos a dietas ricas em lipídios, exibiam comportamento alimentar atípico: enquanto camundongos normais consomem mais alimento à noite, os descendentes de mães com ciclos alterados alimentavam-se igualmente durante a noite e mais durante o dia devido à resistência leptínica no hipotálamo, que comprometia a regulação anorexígena diurna. Esse padrão resultou em ganho de peso acelerado, inflamação exacerbada do tecido adiposo branco, resistência periférica à insulina e esteatose hepática. A restrição calórica reverteu esses fenótipos, destacando a plasticidade metabólica.
Conclui-se, portanto, que o ambiente gestacional e pós-gestacional — incluindo a integridade do ciclo circadiano materno — pode induzir consequências imunológicas e metabólicas duradouras na prole, desde o período neonatal até a idade adulta. Esses achados reforçam a importância das condições adequadas de sono e ritmo biológico para gestantes e lactantes para promoção da saúde dos descendentes.
Sobre o autor: Paulo de Melo é pesquisador pós-doutorando do Laboratório de Pesquisa em Doenças Metabólicas (LPDM-CRID) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP). Dedica-se ao estudo da relação maternal programação metabólica do tecido adiposo e suas implicações para a saúde da prole.
Referências:
Cui, Z., Xu, H., Wu, F. et al. Maternal circadian rhythm disruption affects neonatal inflammation via metabolic reprograming of myeloid cells. Nat Metab 6, 899-913 (2024). https://doi.org/10.1038/s42255-024-01021-y
Yao, Na et al. Maternal circadian rhythms during pregnancy dictate metabolic plasticity in offspring. Cell Metabolism, Volume 37, Issue 2, 395 - 412.e6
Astiz Mariana and Oster Henrik. Feto-Maternal Crosstalk in the Development of the Circadian Clock System. Frontiers in Neuroscience 2020
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