NOTÍCIAS

MENU NOTÍCIAS

29/04/2022

A Ciência derruba mitos: 1790 X 2020

    As vacinas são imunobiológicos, com diferentes composições, capazes de induzir imunidade ativa, onde o indivíduo vacinado desenvolve populações de Linfócitos T e B específicos para os antígenos oriundos da vacina. Estas populações se renovam e se mantem em números reduzidos, por longos períodos de tempo (Células de Memória). No entanto, quando reestimuladas pela presença do vírus, rapidamente se espandem e iniciam suas atividades para combater o patógeno.

    Os primeiros relatos de manipulação da resposta imune datam do século XVIII. Um naturalista britânico chamado Edward Jenner, observou que vacas que se recuperavam da varíola, doença causada por vírus da família Poxviridae, não voltavam a contrair a doença. Além disso, havia relatos de que pessoas que trabalhavam na ordenha de vacas doentes não contraíam varíola ou desenvolviam apenas sintomas leves. Então ele injetou material oriundo das pústulas de varíola bovina em uma criança de 8 anos de idade (contra a sua vontade) e algum tempo depois injetou pústulas oriundas da varíola humana, a criança teve algumas dores nas axilas e febre, mas rapidamente se recuperou, ela estava imunizada!

    Vírus pertencentes a uma mesma família podem compartilhar muitas semelhanças entre si. No caso, alguns antígenos presentes no causador da varíola bovina (doença mais branda) também estavam presentes no causador da varíola humana (mais severa). Assim o sistema imune inicialmente desafiado com o vírus bovino era capaz de responder prontamente quando infectado com o vírus humano. O procedimento realizado pelo inglês era então capaz de induzir uma memória imunológica de linfócitos específicos contra estes antígenos virais, que asseguravam maior proteção aos indivíduos desafiados, frente a extremamente severa varíola humana.

    Jenner é reconhecido como o pai da imunologia, seus estudos vieram em momentos obscuros. Além do eminente negacionismo da ciência, doenças infecciosas eram tidas como pragas divinas enviadas do céu para castigar pessoas “mal nascidas”. A Varíola matava milhões de pessoas na Europa e a modernização do método de imunização desenvolvida pelo inglês levou a uma redução impressionante do número de mortes pela doença. Em 1980 a Organização Mundial da Saúde declarou a varíola como a primeira doença a ser erradicada através de programas de vacinação.

James Phipps, de oito anos, primeiro paciente de Jenner, sobreviveu a vacina experimental -- Foto: Getty Images via BBC

James Phipps, de oito anos, primeiro paciente de Jenner, sobreviveu à vacina experimental — Foto: Getty Images via BBC

    Grandes avanços no campo das ciências biológicas foram alcançados nos 2 últimos séculos, como a descoberta dos anticorpos, a descrição da estrutura do DNA e mais recentemente o desenvolvimento de técnicas de edição gênica a partir de sistemas CRISPR encontrados em procariotos. Diferentes construções vacinais foram desenvolvidas e o controle de uma gama enorme de doenças foi alcançado através da imunização. No entanto, nos últimos anos podemos sentir o retorno amargo da desinformação, da desvalorização e do negacionismo científico.

    Com o surgimento de uma das maiores e mais impactantes pandemias da idade contemporânea, uma crise sanitária e econômica se instaurou em todo o mundo. Segundo dados do Painel Coronavirus, o Brasil registrou 663.225 mortes em decorrência da Covid-19, doença causada pelo vírus da síndrome respiratória aguda – 2 (SarsCov2). Em tempos difíceis, com a circulação urbana restrita, altas nos preços de insumos básicos e inseguranças despertadas pela inexperiência com este tipo de situação, grupos de pesquisa de diferentes partes do Brasil se desdobraram, fizeram várias adaptações em sua estrutura e rotina para iniciar estudos acerca da biologia do vírus e de sua interação com o sistema imune dos humanos.

    Através de muito esforço, resultados muito promissores foram surgindo, no entanto, pesquisadores e pesquisadoras se deparavam com mais uma situação desestimulante. Se observava pessoas com grande influência no país incentivando a utilização de medicamentos comprovadamente ineficazes contra a doença e potencialmente danosos ao organismo.  

   No fim de 2020, finalmente as primeiras vacinas protetoras contra o vírus foram aprovadas para utilização em seres humanos, no entanto, novamente a desinformação tomou conta do país. Enquanto cientistas se desdobraram meses para produzir as vacinas, em tempo record, que viriam a salvar vidas, as fake News se disseminaram rapidamente, chegando inclusive a associar a vacina a símbolos obscuros marcadores de apocalipse. Questionamentos eram levantados sobre as vacinas testadas não serem 100% eficazes (quando nenhuma outra vacina é) e a criteriosidade em relação a eficácia utilizada para se dirigir às vacinas eram totalmente diferentes das utilizadas para se falar de vermífugas e medicamentos antiparasitários indicados de forma irresponsável no tratamento da patologia.

    A imunização em solo brasileiro foi iniciada no começo de 2021, priorizando profissionais que atuavam na linha de frente no combate a pandemia, considerou-se que profissionais da saúde comporiam esta categoria, no entanto, os pesquisadores que manipulavam diretamente o vírus e amostras de pessoas infectados foram novamente esquecidos. Com 3 meses de atraso, após grande mobilização de pesquisadores de diferentes Universidades, a vacinação destes profissionais foi regulamentada pelo estado de São Paulo.

Tamara Rodruigues, doutoranda em Imunologia pelo IBA no dia 26/05/2021 após recebimento da primeira dose da vacina contra a Corona Vírus (Acervo pessoa pesquisadora).

  Mesmo enfrentando tantas adversidades, as campanhas de vacinação foram se difundindo e segundo dados do Data sus, mais de 76% da população está com sua imunização completa, o número de internações e de mortes foram amplamente reduzidos e aos poucos a normalidade do cotidiano das pessoas vem sendo retomada. A Imunologia e a ciência como um todo mais uma vez mostrou o seu poder de derrubar mitos e de trazer a melhora na qualidade de vida das pessoas. Com poucos recursos, pesquisadores e pesquisadoras brasileiras deram sua contribuição para o entendimento desta doença e forneceram uma base de dados enorme para a investigação de alvos terapêuticos para tratamento da Covid-19.

    Pesquisadores do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias – CRID elucidaram mecanismos chave para o agravamento da doença, como a descoberta da assocação entre ativação de inflamassomas e a severidade da Covid-19 (estudo desenvolvido pela doutoranda do Programa de Imunologia Básica e Aplicada da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto Tamara Rodrigues sob orientação do professor Dario Zamboni e publicado na revista Journal os Experimental Medicine - JEM), bem como a participação de redes de DNA extracelular de Neutrófilos atuando no dano pulmonar de pacientes (sob autoria do então profissional de pós-doutorado Flavio Veras sob supervisão do professor Fernando Cunha e publicado na JEM), a ação da fagocitose de células infectadas (eferocitose) com SarsCov-2 por macrófagos na modulação do perfil inflamatório destas células, estudo conduzido pelo Grupo da professora Larissa Cunha  (em revisão).

     O grupo supervisionado pela professora Rita Tostes mostrou o papel protetor da heparina ao regular negativamente a perturbação do glicocálice induzida pelo soro de pacientes com Covid-19 (publicado na LIFE SCIENCES) e o grupo supervisionado pelo doutor Helder Nakaya foi pioneiro nos estudos de genoma de pacientes com Covid-19, avaliando dentre outros aspectos a expressão do gene Ace2 (Gene que codifica o receptor utilizado pelo vírus para infectar células humanas) havendo publicado 5 artigos em revistas renomadas internacionalmente. Somadas, essas publicações receberam mais de 800 citações, o que ressalta sua qualidade e relevância para o entendimento da doença.

    É importante salientar que no Brasil, Pesquisador/cientista não é uma profissão regulamentada, neste sentido, é necessário que pós-graduando recebam visibilidade, que tenham direitos trabalhistas e reajustes em seus proventos. É notório o nosso grande potencial e nossa capacidade de fazer ciência de elevadíssimo nível com uma baixa disponibilidade de recursos, mas isso não pode ser romantizado.

    Em 29 de abril, celebramos o dia internacional da imunologia e viemos por meio deste enaltecer todos os imunologistas do Brasil, inclusive aqueles em formação. Aproveitamos também a oportunidade para reivindicar melhorias em nossas condições de trabalho. Nossa ciência vive e nossos cientistas precisam receber a valorização merecida.

Por Samuel dos Santos Oliveira, Difusão CRID

Assine nossa newsletter