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24/06/2022

Artigo de pesquisadores do CRID é publicado na American Journal of Physiology

     "Além do sistema reprodutivo/sexual, os hormônios sexuais também possuem um papel importante na função e manutenção de outros sistemas no organismo, dentre eles o sistema cardiovascular. Nesse sentido, a testosterona desencadeia efeitos em diferentes órgãos do sistema cardiovascular que, em conjunto, contribuem para o aumento da pressão arterial, que podem levar ao quadro da hipertensão arterial (popularmente conhecido como pressão alta) e suas consequências. No contexto da hipertensão arterial, atualmente sabe-se que existe uma influência sexual no que diz respeito a componentes do sistema imunológico que contribuem para esse quadro. Por exemplo, em modelos experimentais de hipertensão, machos apresentam mais células de perfil pró-inflamatório (especialmente as células Th17) em órgãos do sistema cardiovascular do que fêmeas, sendo essas células importantes para o desenvolvimento e manutenção da hipertensão arterial e lesão e/ou disfunção nos órgãos-alvo da doença. Além disso, estudos prévios do nosso grupo de pesquisas demonstraram que a testosterona desencadeia mecanismos imunológicos que contribuem para o dano cardiovascular como o aumento da quantidade de moléculas de adesão leucocitária em células endoteliais (células que revestem internamente os vasos sanguíneos) e aumento da ativação da plataforma do inflamassoma NLRP3 em vasos sanguíneos.

     As células Th17 são um subtipo de células T (grandes “maestras” do sistema imunológico, que regulam a atividade desse sistema no combate a microrganismos patogênicos, por exemplo) que atuam aumentando a resposta inflamatória contra alguns tipos de bactérias e fungos e também estão relacionadas ao desenvolvimento de diferentes doenças autoimunes. Porém, diferentes estudos mostram a participação dessas células e seus mecanismos efetores (principalmente a liberação da citocina IL-17) nas doenças cardiovasculares. Por exemplo, na hipertensão arterial, a presença da IL-17 reduz a vasodilatação dependente de células endoteliais, o que leva ao aumento da pressão arterial.

     A testosterona é usada no processo de transição de gênero realizado por indivíduos transmasculinos [que incluem homens transgênero (trans)], que são pessoas que foram designadas com uma identidade feminina ao nascimento (geralmente como mulheres), mas se identificam com uma identidade de gênero masculina. O uso desse hormônio (conhecido nesse processo como “hormonização”) tem como principal objetivo a obtenção de características sexuais secundárias masculinas como aumento da massa muscular, aumento de crescimento de pelos no corpo e tornar o tom de voz mais grave. Porém, apesar de eficaz e
segura, a hormonização com a testosterona acarreta em alguns efeitos colaterais como o amento da pressão arterial.

     No nosso trabalho, investigamos se a testosterona prejudica o sistema cardiovascular (sob perspectiva da hormonização) e se células Th17 e seus mecanismos efetores estão envolvidas nesse processo. Infelizmente poucos trabalhos exploram os efeitos da testosterona no sistema cardiovascular no contexto da hormonização. Assim, padronizamos um modelo experimental tratando camundongos fêmeas com a testosterona, o que levou ao aumento da concentração desse hormônio no soro, ao aumento da massa muscular e à diminuição da massa adiposa. Vale salientar que essas características também são observadas clinicamente em indivíduos transmasculinos sob hormonização. Observamos também que testosterona aumentou a pressão arterial nos animais após um tratamento de longo-prazo. Porém, a curto-prazo, a testosterona promoveu disfunção vascular, caracterizada pelo prejuízo da vasodilatação dependente de células endoteliais, e esse efeito não foi intensificado pela retirada dos ovários desses animais (algumas pessoas trans também optam pela retirada de órgãos do sistema reprodutivo/sexual de origem no processo de transição de gênero, dentro do acervo de procedimentos conhecidos como “cirurgias de redesignação sexual”). Portanto, esses dados sugerem, que a disfunção vascular precede o aumento da pressão arterial, podendo ser uma das causas de quadros de hipertensão arterial. Observamos também que o tratamento com a testosterona aumenta a população de células Th17 nos animais e também de marcadores que sugerem a presença dessas células nos vasos sanguíneos. Vimos que a disfunção vascular desencadeada pela testosterona é dependente da presença de células T CD4+ (grupo do qual as células Th17 fazem parte) e do receptor da IL-17, responsável por desencadear as respostas inflamatórias induzidas pela IL-17. Apesar de as células Th17 serem as maiores produtoras da IL-17, outras células do sistema imunológico também podem liberar a IL-17, dentre elas as células T γδ (um outro subtipo de células T). Contudo, no nosso trabalho observamos que, apesar de a testosterona promover um amento
da produção da IL-17 por células T γδ, essas células não são uma fonte importante dessa citocina para o prejuízo da função vascular (redução da vasodilatação) induzido pelo tratamento com a testosterona, reforçando ainda mais o provável papel das células Th17 nesse processo. Infelizmente, a população trans é vítima de diferentes tipos de violência, preconceito, marginalização, o que acarreta numa deficiência na assistência em saúde para essas pessoas em diferentes aspectos. A falta de estudos clínicos e pré-clinicos robustos voltados a suprir as demandas dessa população contribui para esse quadro num processo de retroalimentação. Em uma perspectiva translacional, o nosso trabalho destaca importantes mecanismos vasculares que como potenciais alvos terapêuticos na redução do risco cardiovascular desencadeado pela
hormonização com a testosterona em pessoas trans, otimizando esse processo para melhora da qualidade de vida especialmente dos indivíduos transmasculinos."

Palavras do primeiro autor do estudo, o DR. Jeimison Santos

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