01/07/2025
BCG: uma vacina centenária que vai além da tuberculose
Há mais de 100 anos, a vacina BCG salva vidas. Desenvolvida em 1921 pelos cientistas franceses Albert Calmette e Camille Guérin, a vacina foi criada a partir de uma cepa atenuada do Mycobacterium bovis com o objetivo de conter uma das doenças mais letais da história: a tuberculose [1].
Desde então, seu impacto na saúde pública tem sido profundo, especialmente em países como o Brasil, onde é aplicada rotineiramente em recém-nascidos. Embora não evite a infecção inicial pelo Mycobacterium tuberculosis, a BCG reduz de forma significativa os casos das formas mais graves da doença, como a meningite tuberculosa e a tuberculose miliar, prevenindo hospitalizações, sequelas neurológicas e mortes infantis [2].
Em termos de imunidade, a BCG atua ativando tanto a imunidade inata quanto a adaptativa. Estimula linfócitos T do tipo Th1, promovendo a produção de interferon-gama (IFN-γ), essencial para o controle de micobactérias intracelulares. Mas a vacina também é conhecida por outro fenômeno: a imunidade treinada, uma reprogramação funcional de células da imunidade inata, como monócitos e macrófagos, que passam a responder com maior intensidade a infecções diversas, mesmo sem relação direta com a tuberculose [3].
Essa capacidade de "treinar" a imunidade tem chamado a atenção nos últimos anos, especialmente por seus possíveis efeitos protetores contra outras doenças infecciosas, como infecções respiratórias e virais. Além de seu papel na prevenção da tuberculose, a BCG também é amplamente utilizada na oncologia. Desde a década de 1970, é empregada como imunoterapia intravesical para o câncer de bexiga não invasivo, sendo considerada o tratamento padrão para evitar a recidiva e a progressão tumoral [4]. Nesse caso, a BCG é aplicada diretamente na bexiga, induzindo uma inflamação local que atrai células imunes, como macrófagos, células NK e linfócitos T, capazes de reconhecer e eliminar células tumorais. É um exemplo notável de como uma vacina originalmente criada para prevenir uma infecção passou a ser uma ferramenta terapêutica importante também no tratamento do câncer.
Apesar de sua história de sucesso, a eficácia da BCG contra a tuberculose pulmonar em adultos é variável, o que impulsiona a busca por vacinas mais eficazes. Ensaios clínicos em andamento avaliam formulações derivadas ou reforços vacinais. Ao mesmo tempo, os efeitos da imunidade treinada despertam o interesse da comunidade científica para aplicações que vão além da infecção, incluindo doenças autoimunes, inflamatórias e até neurodegenerativas [5,6].
Neste 1º de julho, Dia da Vacina BCG, o CRID celebra uma tecnologia centenária que continua atual. Mais do que proteger contra a tuberculose, a BCG se reafirma como uma aliada na imunoterapia e na inovação em saúde. Um exemplo de como a ciência do passado pode gerar soluções para o futuro.
Referências
- Kaufmann, S.H.E. (2021). Remembering the legacy of Albert Calmette and Camille Guérin: 100 years of BCG vaccine. Nature Reviews Immunology, 21, 55–56. https://doi.org/10.1038/s41577-020-00464-5
- World Health Organization (2018). BCG vaccine: WHO position paper. Weekly Epidemiological Record, 93(8), 73–96.
- Arts, R.J.W. et al. (2018). BCG vaccination protects against experimental viral infection in humans through the induction of cytokines associated with trained immunity. Cell Host & Microbe, 23(1), 89–100.e5. https://doi.org/10.1016/j.chom.2017.12.010
- Redelman-Sidi, G. (2014). Bacillus Calmette–Guérin (BCG) treatment of bladder cancer: an update. Immunotherapy, 6(4), 509–520. https://doi.org/10.2217/imt.14.11
- Barreto, M.L. et al. (2005). Evidence of an effect of BCG vaccination on reduced childhood mortality: a meta-analysis. Rev. Saúde Pública, 39(1), 1–9. https://doi.org/10.1590/S0034-89102005000100001
- Mangtani, P. et al. (2014). Protection by BCG vaccine against tuberculosis: a systematic review of randomized controlled trials. Clin Infect Dis, 58(4), 470–480. https://doi.org/10.1093/cid/cit790
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