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28/06/2022

Dia internacional do orgulho LGBTQIAP+

     A luta de pessoas não cis-heterossexuais contra a LGBTQIAP+fobia ocorre desde a primeira metade do século XX, mas certamente, a revolta de Stonewall, em 1969, representa um divisor de águas no que diz respeito a direitos humanos e cidadania. O acontecimento é lembrado como a primeira parada do orgulho nas Américas e contou com uma marcha de milhares de pessoas pelas ruas de Manhattan. 

  A então comunidade “GLS” agrupava todas as pessoas que não pertenciam ao padrão cis-heteronormativo predominante no mundo. A letra “G” representa os gays, homens que se atraem apenas por outros homens. “L” representa as lésbicas, mulheres que se atraem apenas por mulheres, ambos gays e lésbicas são pessoas homossexuais, pessoas que se atraem apenas por pessoas do mesmo gênero (do latim, “homo” significa “igual”). A letra “S” representava os simpatizantes, pessoas heterossexuais cisgênero, mas que apoiavam as pautas “GLS” e lutavam ao seu lado por igualdade de direitos. É importante ressaltar que apoiar “GLSs” na época era algo tão raro que essas pessoas também estavam incluídas nesta minoria. No entanto, a sigla ainda não representava todos os grupos de pessoas que fugiam do padrão cis-hétero, como travestis, transexuais e bissexuais. 

     Então a sigla foi alterada para GLBT, aqui foram acrescidas as letras “T” que representam travestis e transgêneros, pessoas que não se identificam com seu gênero biológico e TRANScendem esta barreira. Enquanto a letra “B” representava pessoas que se atraiam por homens e mulheres, os bissexuais. Havia um questionamento sobre o maior destaque nesta luta ser dado aos gays, o que levou a uma reformulação da sigla para ser “LGBT”, com o intuito de se dar mais destaque às mulheres. 

   Heterossexualidade, homossexualidade e bissexualidade são orientações sexuais, ou seja, dizem respeito ao desejo afetivo/sexual das pessoas, enquanto travesti, trans e cis são identidades de gênero, ou seja, dizem respeito ao gênero com o qual as pessoas se identificam. Pessoas cisgênero são aquelas que se identificam com o sexo que lhes foi atribuído no seu nascimento, por exemplo, pessoas que nascem com genitália feminina e quando crescem se entendem como mulheres, bem como pessoas que nascem com genitália masculina e se identificam como homens. 

     Trans são pessoas que transcendem a barreira do sexo biológico atribuída em seu nascimento, no caso, pessoas que nascem com a genitália feminina, mas que quando crescem se entendem como homens (homens trans) ou pessoas que nascem com genitália masculina, mas se entendem como mulheres (mulheres trans).  A definição do termo “travesti” ainda tem algumas controvérsias, mas é aceito para a maioria das representantes que na verdade os termos travesti e transgênero são sinônimos.  

     Devido ao preconceito desumano sofrido pelas travestis por parte da família, do Estado e da sociedade como um todo, uma grande porcentagem era marginalizada e só lhes restava a rua e a prostituição, logo o termo “travesti” era associado a este estilo de vida. Com o passar dos anos, após muita luta, estas pessoas começaram a ocupar novos lugares e passaram a se denominar mulheres trans para desvincular a imagem até então pejorativa atrelada as travestis. Hoje, muitas mulheres trans se reafirmam travestis num ato político de solidariedade, humanidade e empatia, como uma forma de ajudar a quebrar os estigmas associados as travestis. Deste modo temos professoras travestis, advogadas travestis, vereadoras travestis e etc. 

     Todas as pessoas tem um orientação sexual e uma identidade de gênero, podendo haver homens cis-hetero, mulher cis-hetero (homens e mulheres que se identificam com seu sexo biológico e se atraem por pessoas do sexo oposto, respectivamente,  independente se forem cis ou trans), homens trans gays (pessoas nascidas com genitália feminina que se reconhecem como homens e se atraem por outros homens (independentemente de serem cis ou trans), mulheres trans lésbicas (pessoas nascidas com genitália masculina, mas se identificam mulheres e se atraem por outras mulheres, independentemente de serem cis ou trans), além de uma série de outras combinações. 

    Atualmente, a sigla utilizada para se referir a pessoas não cis-heterossexuais é “LGBTQIAP+”. “Q” representa as pessoas queer. Muitos têm o conhecimento equivocado de que pessoas queer são as drag queens (drag queen não é uma orientação sexual ou identidade de gênero, mas sim uma profissão). A palavra é utilizada para se referir a todas as pessoas que estão fora da cis-heteronormatividade, servindo como um termo “guarda-chuva” que engloba todas as letras da comunidade. 

     A letra “I” representa os intersexuais, pessoas presentes em um grande espectro de condições genéticas que pode atribuir ao indivíduo caraterísticas masculinas e femininas, por exemplo, é possível que ocorra uma recombinação genética entre os cromossomos X e Y durante a gametogênese, levando a translocação de uma porção considerável do cromossomo Y para o cromossomo X e do X para o Y, na linguagem popular, seria uma troca de fragmentos de DNA, deste modo o cromossomo X carreia praticamente todos os genes funcionais de um cromossomo Y. Caso o espermatozoide que carreia este cromossomo X fecunde um óvulo (óvulos possuem apenas cromossomos X), será formado um embrião XX, biologicamente feminino, no entanto, os genes presentes na porção Y recebida pelo cromossomo X podem ser suficientes para modular a transcrição de uma série de genes que induzirão o aparecimento de características masculinas, mesmo o indivíduo sendo cariotipicamente XX. Da mesma forma, caso espermatozoide que recebeu o cromossomo Y, que perdeu a maioria de seus genes funcionais, fecunde um óvulo e forme um embrião XY, haverá o aparecimento de características femininas. 

      Alterações na gametogênese podem levar a diferentes cariótipos (achou que só existiam XX e XY?), como X0, XYY, XXX, XXY, XXYY e entre outras, além disso, é possível (embora mais raro) a formação de embriões onde parte das células sejam XX enquanto outra parte seja XY, o que está associado, por exemplo ao desenvolvimento de duas genitálias diferentes no mesmo indivíduo. 

     A letra “A” representa as pessoas assexuais, aquelas que sentem pouco ou nenhum desejo sexual, o que, no entanto, não a impede de se relacionar afetivamente com outras pessoas. A letra “P” abarca os pansexuais, pessoas que se atraem por pessoas, independente do seu gênero, sejam elas mulheres, homens, pessoas não binárias ou de gênero fluido. 

     Ainda temos o “+” representando todas as pessoas que não se enquadram em nenhumas das letras presentes na sigla, como as já citadas pessoas não binárias e de gênero fluido, sapiossexuais e entre outros. Este símbolo indica que a diversidade é muito grande para ser resumida em algumas letras e que sempre há espaço para o diferente ou o novo. A homossexualidade e a bissexualidade já foram relatadas em várias espécies de animais, mas apenas na espécie humana se observou o preconceito e a intolerância. 

     A porta do armário, as vezes custa ser aberta e na maioria das vezes, é um processo gradual e árduo, mas libertador, quando concluído. Em nosso canal do YouTube e em nossas redes sociais serão divulgadas entrevistas com três pesquisadores LGBTQIAP+ do CRID, cientistas de elevadíssimo nível e que podem usufruir dos benefícios da vida totalmente fora do armário. No entanto, uma grande parcela da comunidade ainda não concluiu o seu processo, afinal, cada um tem o seu tempo, a sua realidade e a sua forma de lidar com ele, e é muito importante ouvir tambem pessoas que ainda não o concluíram.  

     Em uma entrevista ao CRID, uma estudante/pesquisadora associada ao centro nos contou um pouco sobre trajetória enquanto cientista lésbica: “Ainda é difícil pra algumas pessoas se mostrarem como são, eu ainda não consegui ser eu de verdade, falar sobre mim para algumas pessoas da minha família. Tenho receio que minha cunhada conservadora afaste meus sobrinhos de mim, caso eu lhes conte que sou lésbica e etc [...} O meu processo de autoaceitação ainda tá acontecendo, eu comecei a entender sobre a minha sexualidade depois dos 20 anos, quando entrei na universidade, quando conheci amigos gays, amigas bissexuais, comecei a falar sobre os meus sentimentos com eles e fui entendendo quem de fato eu era. Nunca cheguei a sofrer algum tipo de repressão em decorrência da minha sexualidade no ambiente acadêmico, sempre andei com minha namorada de mãos dadas na USP, no entanto eu conheço muitas pessoas que já enfrentaram este tipo de situação. Comigo, os tipos de repressão foram mais pelo fato de eu ser mulher.” 

     A cientista ainda deu seu ponto de vista acerca da baixa representatividade trans nas instituições de ensino de nível superior (vale salientar que, segundo o artigo 205 da constituição federal de 1988, a educação é um direito de TODOS e dever do Estado e da família): “Não conheço nenhuma pessoa trans fazendo pesquisa na pós-graduação, eu acho que essa problemática vem bem lá de trás, uma vez que estas pessoas sofrem muito bullying, o que tá associado a evasão escolar e consequentemente dificultando o seu acesso às universidades [...] para os jovens que estão lendo este texto e são LGBTs, assim como eu, e quer se tornar uma cientista, recomendo que continue atrás dos seus objetivos, tem muitos cientistas gente LGBT na pós-graduação, alguns assumidos, outros não... a gente pode esbarrar com o preconceito no caminho, mas não desista, não deixe isso te ablar ou te parar. Nós temos uma rede de apoio muito grande, se a gente se unir, ficamos ainda mais fortes.”  

     Durante idade média pessoas eram queimadas vivas ou apedrejadas por serem LGBTQIAP+, hoje a pena de morte é atribuída a estas pessoas em 10 países, em países como a Rússia é proibida a manifestação pública de afeto entre pessoas do mesmo gênero, bem como a manifestação política (ex: durante a Copa do Mundo de Futebol de 2018 era proibido adentrar os estádios portando bandeiras ou camisas que tivessem associação com pautas LGBTQIAP+). 

     No Brasil, muitos avanços foram alcançados, hoje pessoas trans podem imprimir seu nome social em todos os seus documentos oficiais, são regulamentados o casamento civil e a adoção de crianças por casais homoafetivos, a homotransfobia é criminalizada, de forma equiparada aos crimes de racismo, pelo Superior Tribunal Federal e etc. São direitos básicos, mas que trouxeram uma melhora na qualidade de vida e dignidade às pessoas. No entanto há um longo caminho a ser percorrido na busca por um mundo com cidadania e respeito a pluralidade dos povos. De todos, todas e todes. 

Por Samuel dos Santos Oliveira, Biólogo, Mestre em Imunologia e difusor científico do CRID.

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