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16/02/2022

Estudo destaca as células T reguladoras TIGIT+ como a principal subpopulação envolvida com o quadro de imunossupressão pós-sepse

Embora a função do sistema imunológico seja classicamente reconhecida como importante na eliminação de microrganismos invasores, diversas condições patológicas possuem em sua essência alguma disfunção pertinente ao sistema imunológico. Neste sentido, o CRID (Center for Research in Inflammatory Diseases) não tem medido esforços para o entendimento do papel do sistema imunológico na sepse, síndrome causada pela desregulação da resposta imunológica frente a um quadro infeccioso não controlado, que resulta em disfunção orgânica (falência múltipla de órgãos) e, ao comprometer os órgãos vitais do paciente, morte.

            Apesar dos avanços da medicina em prolongar a vida dos pacientes com sepse durante a admissão nas unidades de terapia intensiva, um fenômeno bastante peculiar da síndrome é a permanência de várias sequelas nos sobreviventes, sendo a imunossupressão pós-sepse uma importante anomalia imunológica que compromete os mecanismos de defesa dos indivíduos após a alta hospitalar e, frequentemente, resulta em morte por infeções oportunistas, nosocomiais e câncer. Portanto, a maior compreensão dos mecanismos imunológicos envolvidos com o desenvolvimento do quadro de imunossupressão pós-sepse é fundamental para a elaboração de novas ferramentas terapêuticas que evitem o desfecho fatal decorrente a síndrome.  

            Além da função microbicida “clássica”, o sistema imunológico também é crucial para o bom funcionamento do organismo como um todo, participando desde o reparo muscular após um exercício intenso de musculação; na alimentação, impedindo que não desenvolvamos alergia alimentar; e evitando que o nosso organismo entre em colapso ao reconhecer nossos próprios tecidos como algo estranho/externo, conforme observado em doenças autoimunes. Estes exemplos demonstram que o sistema imunológico também participa na manutenção da saúde e integridade do nosso organismo, o que podemos definir como homeostasia. Neste contexto, destacamos as células T reguladoras, uma subpopulação de linfócitos TCD4+ que expressa o gene FOXP3, como as principais guardiãs da homeostase.

            Diversos estudos a partir de 2010 demonstraram que as células T reguladoras são heterogêneas e apresentam funções especializadas de acordo com o perfil de resposta imunológica adaptativa que está em operação. Por exemplo, situações que demandam resposta Th1, caracterizada pela produção de IFN-gamma que é fundamental para o controle de patógenos intracelulares, favorece o desenvolvimento de um braço regulador que regula/suprime a resposta Th1 operante de maneira especializada, ou seja, as células T reguladoras diferenciadas neste microambiente são menos eficientes em suprimir outros padrões de respostas de células T, como a Th17 observada na mucosa intestinal, por exemplo. Os pesquisadores tem demonstrado que a premissa inversa também é válida.

            Mais recentemente, em 2014 foi identificada uma subpopulação de células T reguladoras que expressam a molécula TIGIT em sua membrana plasmática. Diferentemente dos trabalhos anteriores, os autores demonstraram que ambas subpopulações de Tregs TIGIT+ e TIGIT- coexistem em condições homeostáticas e, curiosamente, possuem funções reguladoras/supressoras distintas. Assim, demonstrou-se que as células T reguladoras TIGIT+ exercem potente efeito supressor sobre células Th1 e Th17, mas são menos eficientes em regular as células Th2, caracterizadas pela produção de IL-4 e IL-13 e que são frequentemente associadas ao quadro de alergia por exemplo.

            Ao longo dos anos, o CRID tem publicado diversos artigos científicos que buscaram entender a imunobiologia da sepse. Assim, descobriu-se que a lesão de órgãos decorrente a síndrome contribui com a liberação de IL-33 por células estromais necróticas, mediador chave envolvido com a expansão de células linfoides inatas tipo 2 que, assim como células Th2, favorecem a diferenciação de macrófagos para o perfil M2 ao secretar IL-4 e IL-13. Tais macrófagos M2, por sua vez, são cruciais para a expansão das células T reguladoras, as quais predispõem o indivíduo ao quadro de imunossupressão pós-sepse.

            Embora fosse reconhecida a relação direta entre a expansão de células T reguladoras para com a imunossupressão resultante da sepse, informações sobre a identidade destas células supressoras ainda era desconhecida. No presente estudo, que tem como primeiro autor Dr. Mikhael Haruo Fernandes de Lima e como supervisor prof. Dr. Fernando de Queiróz Cunha, ambos membros do CRID, o objetivo foi caracterizar as subpopulações de células T reguladoras TIGIT+ no curso da sepse, uma vez que tal subpopulação de células e a síndrome compartilham elementos com o padrão 2 de resposta imunológica adaptativa.

            Fazendo o uso do modelo experimental de sepse em camundongos por ligadura e punção cecal (CLP, Cecal Ligation and Puncture) como base para o desenvolvimento do estudo, os autores verificaram que as subpopulações de células T reguladoras TIGIT+ e TIGIT- seguiram um padrão distinto de expansão no baço ao longo das fases aguda e tardia da sepse (1 a 3 dias, e 7 a 30 dias respectivamente). Assim, a subpopulação de células T reguladoras TIGIT- expandiu somente no terceiro dia após o insulto inicial e logo retornou aos níveis basais, ao passo que foi identificada a expansão da subpopulação de células T reguladoras TIGIT+ logo nas primeiras 24 horas após o insulto inicial, a qual se manteve em níveis elevados até 30 dias após a CLP. Este dado sugere, portanto, que as células T reguladoras TIGIT+ possam estar envolvidas com a imunossupressão pós-sepse, uma vez que diversos genes envolvidos com a atividade supressora de células T reguladoras foram modulados positivamente especificamente na subpopulação TIGIT+ 15 dias após o insulto inicial.

            Pelo fato da literatura carecer de informações a respeito da dinâmica de expansão da subpopulação de células T reguladoras TIGIT+, os autores focaram seus esforços na utilização do modelo experimental de sepse como ferramenta para um estudo mais aprofundado da biologia das células T reguladoras TIGIT+. Assim, após sucessivos experimentos in vivo e in vitro, foi identificado que o eixo IL-33/IL-33R/STAT6/Macrófagos M2 possuem um papel chave na expansão de células T reguladoras TIGIT+.

            Portanto, o presente estudo publicado na revista cientifica internacional Journal of Infectious Diseases (JID, (DOI: 10.1093/infdis/jiab405) identificou as células T reguladoras TIGIT+ como uma importante subpopulação envolvida com a imunossupressão pós-sepse, bem como desvendou o mecanismo pelo qual estas células são expandidas. Estas descobertas, por fim, contribuírão com o entendimento da dinâmica de expansão de diferentes subpopulações de células T reguladoras, bem como poderá auxiliar na condução de novos estudos que visem a elaboração de novas terapias para o tratamento da sepse.

Escrito por: Mikhael Haruo Fernandes de Lima

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