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15/07/2022

Lentes do CRID - O SISTEMA IMUNE NO COMBATE À LEISHMANIA

O SISTEMA IMUNE NO COMBATE À LEISHMANIA

 

TÍTULO DO PROJETO: A ativação de Gasdermin-D em resposta à infecção por Leishmania induz uma permeabilização celular transitória para promover a ativação de NLRP3 e a resistência do hospedeiro à infecção

 

CHAMADA: Lentes do CRID traz hoje o trabalho da pesquisadora Keyla Sá sobre o papel da Gasdermin-D na ativação do inflamassoma NLRP3 na resposta imune na infecção contra a leishmaniose

 

INTRODUÇÃO

 

A Leishmania é um parasita intracelular obrigatório que causa a Leishmaniose, uma doença que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. O parasita infecta e se replica dentro de macrófagos, uma das principais células efetoras da resposta imune. Como mecanismo de defesa, o macrófago é capaz de ativar o inflamassoma de NLRP3 e induzir uma morte celular inflamatória conhecida como pitoptose. Essa morte celular é importante pois, se o macrófago morrer, a leishmania não terá mais onde se replicar, inibindo assim a progressão da doença. Sabe-se que a infecção pela Leishmania leva a ativação do inflamassoma de NLRP3, entretanto, não há morte celular evidente em células infectadas por Leishmania. Dessa forma, investigamos o papel da Gasdermina-D (GSDMD, que é a proteína efetora da morte celular piroptose), a fim de entender por quê não ocorre morte celular nos macrófagos infectados.  Nós observamos que a infecção por Leishmania desencadeia uma ativação transitória da GSDMD, mostrando um mecanismo de inibição da morte celular durante a infecção por Leishmania.

 

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Flavio: Olá Keyla, como estamos felizes recebê-la neste quadro! Como está? Antes de mais nada, para que a conheçamos melhor, gostaria que fizesse um resumo de sua trajetória como pesquisadora, desde o que te despertou para a ciência até sua chegada no CRID.

 

Keyla: Olá Flávio, é um prazer enorme poder participar desse quadro de vocês. Então, minha carreira cientifica começou em 2012, quando eu passei no vestibular para Biomedicina na UFPA lá em Belém do Pará. Naquele ano, o governo lançou um edital chamado “jovens talentos para a ciência”, que oferecia bolsa de iniciação cientifica para as pessoas que haviam ingressado na faculdade naquele ano. Eu fui uma das selecionadas para a bolsa e iniciei a meu estágio no Laboratório de Virologia da UFPA, sob orientação do professor Dr. Antonio  Vallinoto. Lá eu trabalhava com imunidade a diversas infecções virais, buscando biomarcadores genéticos que poderiam estar associados com a progressão de doenças e com a epidemiologia molecular de várias infecções virais. Fiquei no laboratório de virologia até completar o meu mestrado em 2017. Foi quando decidi explorar novos horizontes, a fim de enriquecer a minha experiência cientifica, e entrei em contato com o professor Dr. Dario Zamboni. Vim fazer um estágio de experiência no laboratório de patogenicidade microbiana e imunidade inata, esse foi o meu primeiro contato com o CRID, em 2018. Nesse período, eu passei no processo de seleção para o doutorado em biologia celular e molecular e iniciei o meu trabalho avaliando o papel da GSDMD na leishmaniose e é onde estou até hoje.

 

Flavio: Está feliz por fazer parte do CRID? Era o rumo que esperava que sua carreira tomasse?

 

Keyla: Eu me sinto muito grata por fazer parte do CRID e por todas as oportunidades que tive nesse período, entre elas, participação de congressos, retreet do CRID, conhecer pessoas novas e fazer inúmeras colaborações. Essa experiência enriqueceu muito o meu currículo e a minha vivencia na ciência. 

 

Flavio: Imagino que tiveram muitos momentos gratificantes na sua trajetória. Gostaria de nos citar algum? 

 

Keyla: Um momento muito gratificante para mim foi quando tive a oportunidade de participar da força tarefa para estudar melhor a COVID-19. Pude conhecer várias pessoas e estabelecer inúmeras colaborações, bem como publicações de extrema relevância na área. Nesse período, eu também auxiliava o SUPERA, parque no diagnóstico que era oferecido de forma gratuita para o SUS. 

 

Flavio: Fico feliz que tenha conquistado isso. Mas também sei que nem tudo são flores. Teve algo que te frustrou muito, que a fez cogitar seguir outros caminhos ou até desistir da pesquisa?

 

Keyla: Então, a pesquisa não é uma vida fácil, tem seus altos e baixos. Durante os momentos mais críticos da pandemia, trabalhávamos todos os dias cerca de 12h por dia, com toda a pressão da pandemia, pessoas, familiares muito próximos a mim adoecendo, instabilidades econômicas e políticas... Nesse momento eu fiquei bem doente, com sintomas de Burnout, e isso me fez repensar várias coisas. Precisei me afastar um pouco das atividades do laboratório nesse período para poder renovar as energias.

 

Flavio: Com certeza a vida como pesquisadora não é fácil, mas fico radiante de saber que conseguiu superar essa frustração e chegar onde chegou. Mas e daqui para frente? Tem planos para seu futuro?

 

Keyla: Daqui pra frente eu penso em dar mais um passo na carreira. Tenho planos de fazer pós doc nos Estados Unidos e voltar pra área de virologia. Acredito que conhecer novos grupos de pesquisa é algo muito importante para o crescimento pessoal e profissional.

 

Flavio: Espero que consiga alcançar esse seu objetivo!! Vamos mudar um pouco de assunto agora, pois estou muito curiosa quanto ao seu projeto. Em primeiro lugar, acho que muita gente não sabe o que é a Leishmaniose, apesar de ser uma doença relativamente comum no país. Pode nos explicar um pouco?

 

Keyla: A leishmaniose é uma doença causada por um protozoário, a Leishmania. Ela é transmitida através da “picada” do flebotominio (que é muito parecido com um mosquito). A Leishmania pode infectar outros mamíferos, como o cachorro, por exemplo, e quando o flebotominio se alimenta em cachorro infectado, este se contamina. E, ao se alimentar novamente em uma pessoa, ele pode transmitir a doença. No lugar da picada, ocorre a formação de uma ferida que nunca cicatriza. Dependendo da região afetada pela doença, pode se classificar a leishmaniose em cutânea (lesões na pele e mucosa) e visceral (órgãos internos como fígado e baço). 

 

Flavio: Considerando que o nosso organismo apresenta barreiras imunológicas contra as infecções, acredito que não seja fácil para a Leishmania promover a invasão das células do hospedeiro. Como ele faz isso? Quais os mecanismos usados?

 

Keyla: Então, de forma surpreendente, podemos dizer que a leishmania é especialista em enganar o nosso sistema imune. Uma das primeiras células que ela infecta é o macrófago, e lá dentro, ela consegue manipular todos os seus mecanismos celulares para favorecer a sua replicação e assim infectar outras células. 

 

Flavio: Realmente a infecção por leishmania exige mecanismos complexos para que ela ocorra. Mas o foco de sua pesquisa é como o sistema imune impede essa infecção, não é mesmo?

 

Keyla: Sim, mas como disse anteriormente a Leishmania é capaz de manipular esses mecanismos. Já foi descrito pelo nosso grupo anteriormente que a infecção pela leishmania induz a ativação do inflamassoma e que o inflamassoma é capaz de impedir sua replicação. O inflamassoma é um conjunto de proteínas que levam a uma morte celular inflamatória, a piroptose, que ocorre em macrófagos. Como a leishmania replica dentro do macrófago, se o macrófago morrer, ela também morre, então o macrófago ativa o inflamassoma para morrer e impedir que a leishmania continue replicando e infectando novas células. Em meu trabalho, procuro entender justamente isso. A molécula efetora de morte é a gasdermina-D, e eu mostro que, mesmo o macrófago infectado, com inflamassoma ativo, não consegue morrer, porque a leishmania, de alguma forma que ainda não conhecemos, é capaz de impedir que a GSDMD execute a sua função e mate o macrófago (pitoptose). Então, de certa forma, ocorre um balanço do macrófago ativando a gsdmd e a leishmania inibindo essa ativação. Porém, o pouco de ativação que o macrófago consegue fazer é suficiente para induzir um dano na membrana plasmática, que leva a ativação do inflamassoma de NLRP3 e controle da replicação do parasito. Lembrando que é semelhante a uma briga de braço: tem momentos que o sistema imune ganha e outros a leishmania ganha, e isso determina a progressão da doença.


 

Flavio: Muito interessante mesmo!! Imagino que já tenha resultados preliminares sobre essa investigação. Pode falar um pouco deles para a gente?

 

Keyla: Um dos resultados mais empolgantes foi quando avaliamos a GSDMD em biopsias de pele de pacientes com leishmaniose e vimos a ativação do inflamassoma e GSDMD em macrófagos infectados na lesão do paciente. Isso nos mostrou a relevância do nosso trabalho e a aplicação disso na clínica.

 

Flavio: Como toda investigação, principalmente sobre mecanismos pouco conhecidos, prevê-se algumas dificuldades nas execuções dos experimentos. Consegue pensar em algo que traria algum problema na condução dessas pesquisas? 

 

Keyla: Uma das maiores dificuldades que tive foi padronizar o melhor tempo do experimento, pois, como observo uma ativação transiente da GSDMD, é preciso saber o tempo correto em que isso ocorre. Se passar um pouco ou for cedo demais, eu perco o sinal. Para resolver essa situação, ouve vários experimentos onde eu acompanhava a cada hora o fenótipo, até conseguir padronizar. 

 

Flavio: Espero que tudo transcorra com o mínimo de empecilhos possíveis. E como você acha que sua linha de pesquisa está ligada ao escopo das Doenças Inflamatórias? Afinal é onde você está atualmente.

 

Keyla: A leishmaniose é uma doença de cunho inflamatório, por gerar lesões de pele extremamente inflamadas e que não cicatrizam, e o meu trabalho aponta um provável mecanismo pelo qual a leishmania consegue se manter por mais tempo no macrófago, regulando uma via de morte celular inflamatória, que é a piroptose.

 

Flavio: Mudando um pouco o assunto, tem algum motivo específico que a fez se interessar por esse papel do inflamassoma, pela GSDMD ou pela Leishmaniose?

 

Keyla: Eu sempre me interessei muito pela resposta imune inata e doenças negligenciadas. Devido ao forte impacto que essas doenças tem na sociedade e por não haver até o momento um bom tratamento para essas doenças, sempre acreditei que a pesquisa brasileira deve se dedicar a essas questões, pois nós somos os mais afetados. E o Laboratório do professor Dario Zamboni me ofereceu essa oportunidade de trabalhar com doenças negligenciadas e com resposta imune inata. 

 

Flavio: Algumas experiências nos marcam muito né? A ponto de nos fazer querer inclusive conhecer um pouco mais sobre o assunto. Ainda sobre isso, o quanto você acha importante o investimento massivo para o desenvolvimento científico do país, incentivando pessoas como você a estudarem o que gostam em prol da ciência?

 

Keyla: Muito importante, pois sem esse tipo de financiamento não há progresso no país. É essencial o incentivo a formação de novos pesquisadores, já que, sem os cientistas, não há o desenvolvimento de vacinas, novos medicamentos e de novos conhecimentos que podem melhorar a vida das pessoas. Em especial no nosso pais, que é muito acometido por doenças negligenciadas que são esquecidas por pesquisadores internacionais.

 

Flavio: Realmente, a pesquisa científica é muito importante. Sem ela, a sociedade não estaria nem perto de onde está hoje. Mas acho que por hoje é só, Keyla. Foi muito proveitoso esse tempo que passamos juntos!! Gostaria de fazer alguma colocação que não abordei anteriormente?

 

Keyla: Não

 

Flavio: Você tem redes sociais, acadêmicas, sites de laboratório ou qualquer coisa que permita que saibamos mais sobre você e sua linha de pesquisa? 

 

Keyla: Tenho sim

Site do laboratório: https://lpm.fmrp.usp.br/

Instagram: keyla_d_sa

Twitter: @keylas3

 

Flavio: Pois bem, Keyla, te desejo toda a sorte do mundo nessa sua jornada. Até mais!

 

Keyla: Até mais Flávio.

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