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13/06/2025

Letramento midiático na Finlândia e o Make America Healthy Again nos Estados Unidos

Dois casos sobre integridade da informação: Letramento midiático na Finlândia e o Make America Healthy Again nos Estados Unidos

comentário por Flavio Martins

Em uma era onde a desinformação se espalha rapidamente pelas plataformas digitais, duas situações contrastantes ilustram diferentes aspectos do problema da informação contemporânea. De um lado, trazemos a abordagem finlandesa que desenvolveu um programa abrangente de educação em alfabetização midiática para combater fake news. Do outro lado, o relatório governamental de saúde dos Estados Unidos que continha citações de estudos inexistentes, destacando como a desinformação pode se originar das próprias instituições destinadas a proteger o conhecimento público.

O letramento midiático da Finlândia

A estratégia da Finlândia para combater a desinformação baseia-se em educação preventiva. Desde 2013, o país integrou a alfabetização midiática em seu currículo nacional, ensinando crianças a partir de seis anos de idade a identificar fake news, analisar fontes e pensar criticamente sobre conteúdo online (Helsinki Times, 2025). O programa vai além do ambiente escolar—estudantes finlandeses aprendem habilidades práticas como detectar bots nas redes sociais, reconhecer imagens manipuladas e compreender as motivações por trás das campanhas de desinformação.

O programa apresenta resultados mensuráveis. A Finlândia ocupa consistentemente o primeiro lugar no Índice Europeu de Alfabetização Midiática, superando 34 outros países em resistência aos fenômenos pós-verdade (CNN, 2019). Esta posição resulta de uma abordagem que se estende além das escolas. Bibliotecas e ONGs oferecem cursos para adultos e idosos, enquanto agências de checagem de fatos fornecem recursos públicos para fortalecer a confiança em fontes de notícias confiáveis.

Estudantes assistem a uma aula sobre alfabetização midiática na escola Hiidenkiven Koulu em 19 de novembro de 2024 em Helsinki, Finlândia. Na Finlândia -- um país consistentemente classificado como o mais alfabetizado midiaticamente da Europa -- as habilidades necessárias para detectar embustes online estão no currículo escolar, em meio a um boom de campanhas de desinformação. LEHTIKUVA / AFP

 

O foco da Finlândia em alfabetização midiática tem raízes históricas. Compartilhando uma fronteira de 832 milhas com a Rússia, o país enfrenta campanhas de propaganda apoiadas pelo Kremlin desde que declarou independência há 101 anos. Quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014, autoridades finlandesas reconheceram que o campo de batalha havia se deslocado para o ambiente online, levando a uma intensificação de seus esforços anti-desinformação (CNN, 2019). Em 2016, o governo trouxe especialistas americanos para treinar autoridades no reconhecimento de fake news e desenvolvimento de contra-estratégias.

O modelo finlandês funciona porque aborda o aspecto humano do consumo de informação. Como observou o Ministro da Educação Anders Adlercreutz, "Com a mídia tradicional sendo responsável por cada vez menos da informação que recebemos, o pensamento crítico é mais importante do que nunca" (Helsinki Times, 2025). Estudantes aprendem a questionar fontes antes de compartilhar conteúdo nas redes sociais, desenvolvendo capacidades críticas baseadas em valores democráticos sólidos.

O Problema Institucional Americano

Enquanto a Finlândia, e outros países, empregam esforços contra a desinformação, eventos recentes nos Estados Unidos mostram como a integridade das informações pode ser comprometida pelas próprias instituições governamentais. O relatório "Make America Healthy Again" de Robert F. Kennedy Jr., divulgado pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos da administração Trump, contém citações de pelo menos sete estudos que parecem ser inteiramente fabricados (The Guardian, 2025; Rolling Stone, 2025).

A extensão do problema é significativa. Pesquisadores supostamente por trás de estudos sobre medicação para TDAH, tratamento de asma infantil e saúde mental de adolescentes negaram ter escrito os artigos citados. A Dra. Katherine Keyes, uma epidemiologista supostamente por trás de um estudo, disse aos investigadores: "O artigo citado não é um artigo real no qual eu ou meus colegas estivemos envolvidos" (Rolling Stone, 2025). Em alguns casos, citações levavam a páginas de erro ou, surpreendentemente, de volta ao próprio relatório de Kennedy.

Robert F Kennedy Jr. testemunha perante uma audiência do Senado em 20 de maio. Fotografia: Manuel Balce Ceneta/AP

Este problema se torna mais preocupante considerando os ataques simultâneos de Kennedy a periódicos médicos estabelecidos. Na mesma semana em que as citações falsas foram descobertas, Kennedy classificou principais publicações como The Lancet, New England Journal of Medicine e JAMA como "corruptas", anunciando planos para criar periódicos administrados pelo governo (The Guardian, 2025). A contradição é evidente: enquanto criticava publicações científicas amplamente respeitadas, a equipe de Kennedy estava produzindo relatórios com pesquisas fabricadas.

Implicações para a Democracia

O contraste entre a experiência finlandesa e os problemas americanos oferece percepções importantes sobre os desafios informacionais contemporâneos. A abordagem da Finlândia reconhece que a desinformação é um problema sócio-técnico, que requer educação humana, não apenas soluções tecnológicas. Ao implementar a alfabetização midiática desde os seis anos e estendê-la por todos os setores da sociedade, a Finlândia desenvolveu capacidades nacionais de resistência contra informações falsas.

O caso de RFK Jr. demonstra que a desinformação não provém apenas de adversários estrangeiros ou trolls de redes sociais—pode se originar dentro das próprias instituições democráticas. Quando relatórios governamentais de saúde contêm citações falsas, isso compromete a formulação de políticas baseadas em evidências e afeta a confiança pública na expertise científica.

Como observou Jussi Toivanen, especialista em comunicações da Finlândia, este é "um jogo contínuo" sem final definido (CNN, 2019). O desafio tende a se intensificar conforme a inteligência artificial e a tecnologia deepfake criam novas possibilidades para o engano. A abordagem abrangente da Finlândia para a alfabetização midiática oferece um modelo para construir resiliência, mas requer compromisso sustentado e integridade institucional—elementos essenciais para qualquer democracia que pretende navegar efetivamente na era da informação.

Referências

CNN. (2019, 10 de maio). Finland is winning the war on fake news. What it's learned may be crucial to Western democracy. https://edition.cnn.com/interactive/2019/05/europe/finland-fake-news-intl/

Helsinki Times. (2025, 30 de janeiro). Finland trains six-year-olds to spot fake news – and they might be better at it than you. https://www.helsinkitimes.fi/themes/themes/education/26048-finland-trains-six-year-olds-to-spot-fake-news-and-they-might-be-better-at-it-than-you.html

Rolling Stone. (2025, 29 de maio). RFK Jr.'s MAHA report cites research studies that don't exist. https://www.rollingstone.com/politics/politics-news/rfk-jr-maha-report-fake-research-studies-1235350468/

The Guardian. (2025, 29 de maio). RFK Jr's 'Maha' report found to contain citations to nonexistent studies. https://www.theguardian.com/us-news/2025/may/29/rfk-jr-maha-health-report-studies

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