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14/09/2023

Mecanismos envolvidos na Sepse: descobertas e avanços

DEFINIÇÃO:

A sepse, foi anteriormente definida como uma inflamação sistêmica desencadeada por uma infecção, e ao longo do tempo sofreu refinamentos conceituais em relação a sua identificação inicial. Esse aprimoramento visava uma melhor caracterização da gravidade da condição, além da definição de sintomas e critérios laboratoriais para avaliar o dano aos órgãos. No entanto, à medida que os médicos exploravam estratégias de controle para essa inflamação, tornou-se evidente que o fenômeno era muito mais complexo do que se pensava inicialmente. Enquanto algumas pessoas reagiam à infecção com uma inflamação intensificada, outras apresentavam uma resposta inflamatória diminuída. Após estudos e avanços, em 2016, a sepse passou a ser descrita como: “uma disfunção orgânica potencialmente fatal, resultante de uma resposta desregulada do organismo a uma infecção”.

 

EPIDEMIOLOGIA DA SEPSE:

Aproximadamente 420 mil pessoas são hospitalizadas anualmente devido à síndrome no país, resultando em quase 230 mil óbitos. Isso representa uma taxa de mortalidade de 55% causada por essa condição no Brasil. De acordo com estudo publicado em 2022 por Almeida et al, no período de 2010 a 2019, foram registrados 463 mil óbitos por sepse no Brasil. O coeficiente médio padronizado de morte por sepse foi de 22,8 a cada 100 mil habitantes.

Além de expressiva no Brasil, a sepse se configura como um problema de saúde pública de alcance global. Afinal, estima-se que 20% de todas as mortes no mundo sejam atribuídas à sepse. De acordo com estimativas publicadas em 2020 na revista The Lancet, a cada ano ocorrem cerca de 49 milhões de casos de sepse, resultando em aproximadamente 11 milhões de óbitos. Ainda, é relevante destacar que 40% desses casos afetam crianças com menos de 5 anos de idade.

Vários fatores identificados contribuem para explicar esses números alarmantes, principalmente no que diz respeito ao sistema de saúde .Dentre eles pode-se citar: a carência de atendimento e acompanhamento adequado desde o momento em que uma pessoa com sepse é admitida no hospital, dificuldade dos profissionais de saúde em identificar os sintomas iniciais dessa condição e o pouco conhecimento da população. Isso se deve ao fato de que a sepse possui sintomas comuns a outras condições, como febre, taquicardia, respiração acelerada e confusão mental, o que pode facilitar com que seja confundida com outras afecções. 

 

ALGUNS ESTUDOS:

Dentre os importantes achados na investigação sobre a sepse, um estudo publicado por Machado et al em 2017, buscou investigar o que se passava nos prontos-socorros, a porta de entrada das internações nas instituições brasileiras. Durante 3 dias, a equipe registrou os casos suspeitos de sepse atendidos no setor de emergência de 74 instituições de saúde brasileiras. Esse trabalho identificou que das 331 pessoas com quadro compatível com sepse atendidas nos prontos-socorros, só 53% foram encaminhadas em até 24 horas para um leito de enfermaria ou UTI, onde há condições melhores de tratar casos graves. Por falta de vagas nas UTIs, 39% dos pacientes com sepse atendidos em instituições públicas permaneceram no pronto-socorro durante toda a internação, que em alguns casos durou 13 dias, e pouco mais da metade deles (55%) morreu ali mesmo.

No estado de São Paulo, a equipe do Prof. Dr. Reinaldo Salomão da Unifesp conduz experimentos utilizando células de defesa isoladas do sangue de pacientes com sepse. O objetivo desses experimentos é entender quais fenômenos caracterizam uma resposta disfuncional do organismo e quais sinalizam uma tentativa de adaptação a um ambiente adverso e poderiam ser estimulados. A partir desse trabalho, o grupo identificou que no início da sepse, as células do sistema imune adotam uma estratégia aparentemente menos eficiente de produzir energia, mas que favorece a eliminação dos agentes infecciosos. Essa alteração foi identificada no funcionamento das células ao comparar a produção de proteínas de monócitos e linfócitos extraídos do sangue de pacientes em dois momentos: no dia da internação e uma semana depois. 

Em um cenário sem infecção, assim como todas as outras do corpo, essas células utilizam a glicose dos alimentos para gerar energia através da respiração celular. Esse é um processo químico que consome oxigênio e resulta na produção de 32 moléculas de trifosfato de adenosina (ATP), que é o combustível celular. A partir disso, observou-se que, logo no início da infecção, os monócitos e linfócitos das pessoas com sepse mudam para a glicólise anaeróbica para produzir energia. Essa via metabólica gera apenas duas moléculas de ATP, mas é um processo mais rápido e evita o consumo de ingredientes que normalmente seriam usados na produção de espécies reativas de oxigênio, que são compostos essenciais na defesa contra os invasores, e na produção de citocinas, que são sinalizadores que atraem outras células de defesa para o local da infecção.

 

NO CRID:

Trabalhos complementares vêm sendo realizados no CRID, visando investigar como o sistema imunológico, além de destruir o agente causador da infecção, pode danificar a si mesmo e agravar a situação. Nos últimos anos, o Prof. Dr. Fernando Cunha e seus colaboradores identificaram dois mecanismos principais que lesam os tecidos saudáveis.

O primeiro mecanismo é a produção de óxido nítrico (NO), uma molécula altamente reativa que interage com as estruturas das células e as danificam. Diferentes células do sistema imune produzem NO e o usam contra os patógenos. Entretanto, na sepse essa produção atinge níveis mil vezes superiores ao normal, prejudicando o desempenho das células de defesa, trazendo queda da pressão arterial e prejudicando as células de diversos órgãos.

Mais a frente neste tema, a equipe de Cunha encontrou um segundo mecanismo interessante: a liberação de armadilhas extracelulares pelos neutrófilos. Dessa forma, entende-se que ao encontrar um patógeno, o neutrófilo o envolve e lança sobre ele um banho corrosivo de óxido nítrico. Se a situação foge ao controle, sinais do ambiente levam o neutrófilo a desenovelar o seu DNA e lançá-lo embebido em compostos tóxicos sobre os invasores.

 

PERSPECTIVAS PARA O FUTURO:

Existem iniciativas que já comprovaram a viabilidade de diminuir a taxa de mortalidade causada pela sepse. Essas iniciativas incluem a implementação de medidas padronizadas que devem ser seguidas nas seis primeiras horas após a internação, como a monitorização e controle da pressão arterial, a avaliação dos níveis de oxigenação dos tecidos, a coleta de amostras de sangue para detecção de agentes infecciosos e a administração de antimicrobianos.

Para tanto, é necessário cada vez mais estudo e aprofundamento sobre este tema tão complexo, para que se possa desenvolver protocolos e práticas clínicas baseadas em evidências, a fim de alterar os expressivos números da sepse no Brasil e seus possíveis desdobramentos. 

 

REFERÊNCIAS:

Almeida, Nyara Rodrigues Conde de et al. Analysis of trends in sepsis mortality in Brazil and by regions from 2010 to 2019. Revista de Saúde Pública [online]. v. 56 [Acessado 12 Setembro 2023] , 25. Disponível em: <https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022056003789>. ISSN 1518-8787. https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2022056003789.

 

Machado, Flavia R. et al.The epidemiology of sepsis in Brazilian intensive care units (the Sepsis PREvalence Assessment Database, SPREAD): an observational study. VOLUME 17, ISSUE 11, P1180-1189, NOVEMBER 2017.

 

Zorzetto, Ricardo. Estudos identificam ações das células de defesa que lesam o organismo na sepse. Pesquisa FAPESP, Edição 331, set. 2023. Disponível em: <https://revistapesquisa.fapesp.br/estudos-identificam-acoes-das-celulas-de-defesa-que-lesam-o-organismo-na-sepse/>.

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