NOTÍCIAS

MENU NOTÍCIAS

21/07/2021

O PROCESSO DE VASOPLEGIA NA SEPSE, POR LETÍCIA GALANT

O PROCESSO DE VASOPLEGIA NA SEPSE, POR LETÍCIA GALANT

A sepse é a principal causa de morte em unidades de terapia intensiva. Quando o corpo humano se depara com alguma infecção ocasionada por bactérias, fungos, parasitas ou até mesmo um vírus, como por exemplo SARS-COv 2, nosso organismo gera uma resposta inflamatória sistêmica. Caso não controlada esta infecção, o organismo humano desencadeia um conjunto de eventos inflamatórios sistêmicos, metabólicos e hemodinâmicos, como: aumento das concentrações sistêmicas de mediadores inflamatórios, ativação dos leucócitos, acidose lática, colapso cardiovascular caracterizado pela perda do tônus vascular, podendo levar a hipotensão e a hipoperfusão de tecidos/órgãos, desta forma o quadro se agrava e pode levar o paciente a óbito. Quando o paciente apresenta este colapso cardiovascular e consequentemente a perda do tônus vascular, processo chamado de vasoplegia, o principal tratamento utilizado na clínica é através da administração de vasopressores, sendo a noradrenalina um dos principais agentes utilizados.

Flavio: Olá Letícia, como vai? Obrigado pela disponibilidade em participar do nosso quadro. Pra gente começar: conta um pouco sobre seu background, sua trajetória acadêmica até chegar ao CRID e, qual os próximos passos que você vislumbra.

Letícia: Olá, tudo bem! Me formei no curso de Ciências Biológicas pela Universidade do Extremo Sul Catarinense (UNESC). Desde o primeiro ano de graduação me interessei e me envolvi com ciência! Como sempre tive muito em mente que eu gostaria de seguir a área acadêmica procurei um laboratório para realizar a Iniciação Científica. Sendo assim, durante os quatro anos da minha graduação fiz a Iniciação Científica no laboratório do Professor Dr. Felipe Dal Pizzol na UNESC. Neste laboratório nós investigamos alguns mecanismos inflamatórios sistêmicos da sepse e possíveis tratamentos para esta condição. A fim de buscar conhecimentos adicionais, realizei meu mestrado em uma área diferente da iniciação científica. Realizei o mestrado em Bioquímica Toxicológica pela Universidade Federal de Santa Maria, sob orientação do Prof. Dr. João Batista Teixeira da Rocha e o doutorado em Bioquímica pela Universidade Federal de Santa Catarina sob orientação da Profa. Dra. Andreza Fabro de Bem. Durante o mestrado e doutorado, procuramos investigar mecanismos toxicológicos e farmacológicos de compostos orgânicos de selênio em células endoteliais e neuronais, focando em metabolismo mitocondrial e fatores de transcrição antioxidantes. Ainda durante o doutorado fui contemplada com uma bolsa de “doutorado sanduíche” do CNPq e pude realizar parte dos experimentos no “Instituto de Investigaciones Biomédicas Alberto Sols” na Universidade de Madrid, Espanha. Toda essa experiencia e produção acadêmica foi importante e contribui para desenvolver o meu projeto de Pos doutorado aqui no CRID, sob supervisão do Prof. Dr. Fernando de Queiroz Cunha.

 

Flavio: Aproveitando, conta um pouco como é a interação com pesquisadores do exterior. Na sua área você percebe alguma mudança de eixo geográfico dos pesquisadores? Tipo, antes estavam mais concentrados nos países A e B e agora você nota mais gente de outros lugares, ou sempre foi bem diverso?

Letícia: Bom, eu fui contemplada com uma bolsa no meu doutorado e pude ir para a Espanha. Foi realmente uma grande experiencia para mim, tive a oportunidade de conhecer excelentes pesquisadores da área e fazer colaborações com eles.  Quando estive na Espanha, percebi que havia muitos pesquisadores brasileiros no país. Porém, devido a toda falta de investimento em pesquisa que países como a Espanha e Brasil vem sofrendo atualmente, este cenário vem mudando. Percebo que atualmente boa parte dos meus colegas pesquisadores estão trabalhando em Universidades de países como Alemanha, Estados Unidos e Canadá.


Flavio: Letícia, se você pudesse elencar os dois melhores aspectos da carreira acadêmica, quais você apontaria, e porquê?
Letícia: Eu acho que um dos melhores aspectos da minha carreia acadêmica foi poder trabalhar em diferentes laboratórios. Isso me proporcionou estudar diferentes áreas acadêmicas e aprender técnicas diferentes em cada local que eu estive. Além disso, como tive orientação de excelentes professores durante a academia, pude aprender mais com cada um deles. Outro aspecto que foi importante, foi a minha experiencia no exterior. Onde pude aprender a manusear diferentes equipamentos e implantar diferentes experimentos nos laboratórios aqui no Brasil. Além disso, a experiencia no exterior me trouxe mais segurança pessoal e profissional e além da maturidade.

 


Flavio: E os dois piores? Você já pensou em desistir? Em geral todo mundo pensa em algum momento né...

Letícia: Sim, a carreira acadêmica nem sempre é fácil. A alta demanda de experimentos, muitos estudos, pressão psicológica em obter resultados e a falta de valorização moral e financeira para com os profissionais da área são os piores aspectos e que já com certeza me fizeram pensar em desistir.

 

Flavio: Agora encaminhando um pouco para o tema específico do seu trabalho Letícia. Antes, me tira uma dúvida de leigo, quando eu falo “sepse” e “infecção generalizada” eu estou falando sobre a mesma coisa? E o processo infeccioso pode ser desencadeado por quais agentes? Não é só infecção bacteriana, correto?

Letícia: A sepse é sim uma infecção generalizada. É muito comum o corpo humano estar sempre se defendendo de agentes que podem causar algum dano para ele, como por exemplo bactérias, fungos ou vírus. Na maioria das vezes o nosso organismo combate esses agentes sem sentir nenhum efeito. Porém, quando a infecção é generalizada e nosso organismo não consegue combater o patógeno leva a um quadro de inflamação sistêmica, ou seja, um quadro séptico. A sepse bacteriana é a mais comum. Porém fungos e vírus, como no caso do SARS-COV2, são agentes que podem também levar ao quadro de sepse.

 

Flavio: Em uma linha do tempo, uma ordem de eventos, eu teria então; a infecção, a resposta inflamatória e a sepse seria a configuração dessa resposta, ou maneira como se manifesta essa resposta inflamatória generalizada? É isso?

Letícia: Sim, seguiria esta ordem de eventos. Nós temos a infecção por patógenos (bactérias, vírus ou fungos), nosso organismo de forma rápida tenta conter estes patógenos através de células do nosso sistema imune-inato. Contudo, quando a proliferação do patógeno no organismo é muito grande, nossas células do sistema imune não conseguem combatê-los, caracterizando o processo de intensa e desregulada resposta inflamatória sistêmica. Esta inflamação quando não controlada, pode se agravar a danos orgânicos devido a liberação de altas quantidades de mediadores inflamatórios e citocinas, causando uma resposta imune desregulada em todo o organismo, podendo levar o indivíduo séptico a óbito.
 

 

Flavio: Agora Letícia, me explica dois termos aqui que eu vi na sua pesquisa: vasopressores e vasoplegia, de um maneira mais simples, como eles agem na mitigação da sepse. 

Letícia: Certo! Um dos sintomas mais comuns de pacientes sépticos é a baixa pressão arterial e alta frequência cardíaca, que se não controlada, pode levar ao colapso cardiovascular e morte. O tratamento mais comum para estes pacientes é o uso de vasopressores, como por exemplo, a noradrenalina. Contudo, pacientes sépticos nem sempre respondem ao tratamento com esses vasopressores comuns. Isso ocorre porque durante a sepse é liberada grande quantidade de catecolaminas para a corrente sanguínea. Em situações fisiológicas normais, as catecolaminas são importantes para que ocorra o processo de contração muscular na vasculatura lisa e em células cardíacas. Contudo, na sepse, o excesso de catecolaminas no sangue, faz com que se tenha uma grande ativação de uma proteína chamada abreviada de GRK2. Essa proteína é responsável por recrutar/ativar proteínas chamadas de beta-arrestinas. A beta-arrestina quando ativa, internalizada os receptores alfa e beta adrenérgicos, fazendo com que estas células não respondem a tratamentos com vasopressores comuns, isso agrava o processo de hipotensão que é observado na sepse.
 


Flavio: E aí sua pergunta de pesquisa é voltada pra esse foco, correto? 

Letícia: Sim, nós estamos avaliando o uso um bloqueador da proteína GRK2 para o tratamento deste processo de vasoplegia que ocorre na sepse. Além disso, estamos verificando possíveis compostos que chamamos de agonistas tendenciosos. Ou seja, compostos que se ligam a receptores alfa e beta-adrenérgicos e desencadeiem a cascata de eventos celulares pra que as células façam o processo de contração, importante em células cardíacas e da vasculatura lisa. Porém são compostos que não ativam a proteína GRK2 e não internalizam os receptores alfa e beta adrenérgicos. São compostos que ativam uma via de sinalização em detrimento de outra.
 

 

Flavio: E agora Letícia, pra finalizar comenta um pouquinho sobre as implicações, teóricas e práticas, que você vislumbra com sua pesquisa.

Letícia: Bom, A sepse é a principal causa de morte nas UTIs brasileiras, sendo assim,  de maneira geral, caso comprovado em modelos pré-clínicos e clínicos que o fármaco que estamos testando seja  capaz de evitar a internalização de receptores alfa e beta adrenérgicos, e consequentemente melhorar a de vasoplegia na sepse, e resposta a vasopressores, teremos um medicamento eficaz e que com certeza aumentará a sobrevida de pacientes sépticos das unidades de terapia intensiva. 

 

 

Flavio: Letícia, estamos quase encerrando, me responde uma coisa: você acredita que as ações de difusão científica da comunidade acadêmica têm sido efetivas? Digo numa visão geral, de Brasil ou mundo. Sua percepção. Notou alguma mudança nos últimos tempos, etc.

Letícia: Um pouco efetiva. Com o avanço tecnológico e com as redes sociais se tornou mais fácil mostrarmos a ciência para a comunidade. Porém acredito que somente divulgando a ciência através das redes sociais não é a melhor maneira. Isso porque nas redes sociais só seguem as páginas sobre ciência quem tem interesse por ciência e concorda com a ciência. Mas a maioria da população não tem acesso a estas páginas, ou não tem algo que as motivem a procurar estas páginas relacionadas à ciência. Acho que deveríamos estudar e buscarmos fazer estas pessoas se interessarem por ciência e ver a importância dela. Acredito que ainda estamos muito distantes disso. Desta forma, acredito que devemos ainda mais inserir a ciência no dia-a-dia de todas as pessoas. Pessoas comuns! Mostrar que qualquer pessoa pode ser cientista e mostrar o quão importante é termos a ciência no nosso dia-a-dia. A ciência deve ser parte do cotidiano da população geral e nós como cientistas e prestadores de serviço para a sociedade devemos sim mostrar nosso trabalho, de forma que a comunidade possa entender. 
 

 

Flavio: Letícia, queria te agradecer pelo tempo dedicado a isso. Gostaria de comentar algo, falar algo sobre a pesquisa que você considera relevante e que eu não perguntei?

Letícia: acho que não...

 

Flavio: Muito obrigado! E parabéns pela excelente trajetória de pesquisa traçada até aqui! Se o pessoal quiser entrar em contato pra saber mais da sua pesquisa, como podem fazer?
Letícia: 

Email: leticiagalant@hotmail.com

Curriculo lattes:  http://lattes.cnpq.br/4974586896727817

Linkedin: https://www.linkedin.com/in/let%C3%ADcia-galant-0348a6150/

Facebook: https://www.facebook.com/leticia.galant/

Laboratório de Inflamação e Dor

Assine nossa newsletter