NOTÍCIAS

MENU NOTÍCIAS

03/03/2021

Renan de Carvalho: a lente do CRID sobre as leishmanioses



O entrevistado da primeira edição do CRID é o pesquisador Renan de Carvalho,  recém doutorado em imunologia, cuja pesquisa foi realizada no Laboratório de Patogenicidade Microbiana e Imunidade Inata “Zamboni Lab” sob coordenação do Prof. Dario Zamboni, um dos Principal Investigators do CRID. 

O escopo geral da pesquisa do Renan são as leishmanioses, um grupo de doenças causadas por mais de 20 espécies do parasita Leishmania. A transmissão é efetivada pela fêmea do mosquito flebotomíneo, Phlebotomus pappatasi, conhecido popularmente como mosquito-palha ou sand-fly. Existem três formas principais da doença: Leishmaniose Tegumentar (LC), Leishmaniose Visceral (LV), também conhecida como calazar ou leishmaniose mucocutânea (LCM). 

Em 2018, mais de 80 países foram considerados endêmicos para alguma das formas da doença. Hoje, mais de 1 bilhão de pessoas vivem em áreas endêmicas.  As leishmanioses integram o grupo das Doenças Tropicais Negligenciadas (DTNs) que afeta especificamente regiões da América do Sul, África Subsaariana e Sudeste Asiático (WHO, 2021).

 

1. Bom dia Renan, como vai? Poderia se apresentar pra gente e contar um pouco do seu background: de onde é e como foi sua formação até chegar ao CRID?

Renan: Bom dia, por aqui tudo bem, espero que estejam todos bem por aí. Me chamo Renan Vilanova Homem de Carvalho, natural de Juiz de Fora/MG, farmacêutico/bioquímico formado pela faculdade de Farmácia da UFJF, e Doutor em Imunologia pela USP/RP. O laboratório onde realizei meu Doutorado (2014-2019), dirigido pelo Prof. Dario S. Zamboni, faz parte do CRID e, portanto, tive a oportunidade de conviver e aprender com todos os pesquisadores que atuam neste núcleo de excelência dentro da USP. Atualmente, ocupo a posição de “Postdoctoral Fellow” da Human Frontiers Science Program (HFSP), na Universidade Rockefeller, em Nova York, EUA.

2. Sobre o tema do seu doutorado: "O papel do vírus de RNA de Leishmania na modulação da resposta imune inata".  Poderia comentar brevemente sobre o objetivo de sua pesquisa?


Renan: Durante meu doutorado, me dediquei a compreender processos imunológicos fundamentais para o estabelecimento de uma resposta imune eficaz contra microrganismos intracelulares e, da mesma forma, como estes patógenos manipulam a resposta imune para conseguir estabelecer o processo infeccioso e, consequentemente, a doença. Neste contexto, focamos na compreensão da interação Leishmania-hospedeiro, fundamentais para o estabelecimento da Leishmaniose, uma doença parasitária que acomete desde cães até seres humanos. Apesar de ser um consenso na literatura que o parasito se replica dentro dos macrófagos, pouco ainda sabemos sobre as ferramentas e processos celulares que levam estas células a eliminarem os invasores, e menos ainda compreendemos os mecanismos pelos quais a Leishmania silencia estas respostas celulares. Recentemente, foi demonstrado que algumas espécies de Leishmania possuem um vírus em seu interior e sua presença foi correlacionada com maior gravidade da infecção em seres humanos (e surgimento da forma Muco cutânea da doença), mas os mecanismos responsáveis por esta maior gravidade ainda permanecem pouco conhecidos. Os estudos realizados no meu Doutorado foram focados em desvendar tais mecanismos.

3. Leishmaniose é uma das Doenças Tropicais Negligenciadas, correto? Porque alguns autores classificam essas doenças como "doenças da pobreza"?

Renan: As Leishmanioses são um conjunto de doenças causadas por diversas espécies de parasitos do gênero Leishmania, e ocorrem principalmente em regiões tropicais, como América Latina (Brasil, Peru, Bolívia, etc.), África e Ásia. Por conta disto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) atualmente classifica-as dentro do grupo de Doenças Negligenciadas, muito por conta do relativo desinteresse de companhias farmacêuticas na pesquisa e desenvolvimento de medicamentos contra estas doenças. Este fenômeno é facilmente ilustrado pelo fato de, até hoje, termos como medicamento padrão para o tratamento das Leishmanioses a Anfotericina B (extremamente cara e inacessível em grande parte dos países acometidos pela Doença) e os antigos antimoniatos pentavalentes, os quais são utilizados há décadas como tratamento convencional destas enfermidades.

4. Tentando explicar para alguém que não é da área, no que consiste a modulação da resposta imune inata? 

Renan: Neste contexto, a palavra “modulação” sugere modificação, alteração da resposta imune inata. Basicamente, quando o parasito infecta os macrófagos (células nas quais ele reside e estabelece seu nicho explicativo), várias vias de sinalização são disparadas no citoplasma, na tentativa de ligar os “alarmes” celulares que auxiliam na destruição do parasito. É aí que entra o vírus de Leishmania: nós demonstramos que este simbionte modula a resposta inata do hospedeiro, silenciando, bloqueando as vias que, outrora, levariam ao controle da Leishmania. Com isso, o vírus atua como uma “arma” utilizada para favorecer o crescimento do parasito e a progressão da infecção.



5. Entendi, Renan, e quais são os pontos de contato da sua pesquisa com o CRID? Assim, a leishmaniose é uma categoria de doença infecciosa, dentro do escopo das doenças inflamatórias? 
 

Renan: As Leishmanioses são doenças infecciosas e se caracterizam pelo seu alto grau inflamatório que, inclusive, dita o ritmo e a progressão da patologia. Hoje já compreendemos que, muitas vezes, os quadros clínicos apresentados pelos pacientes estão diretamente relacionados à resposta inflamatória encontrada nos tecidos. No caso da Leishmaniose Mucocutânea, por exemplo, observamos carga parasitária muito baixa ou até virtualmente ausente, enquanto a resposta inflamatória demonstra-se bastante exacerbada, desfigurando o rosto dos pacientes. Neste contexto, a nossa pesquisa (desenvolvida sob supervisão do Prof. Dr. Dario S. Zamboni, no Lab. de Patogenicidade Microbiana e Imunidade Inata) encaixa-se perfeitamente no escopo de doenças e mecanismos moleculares investigados pelo CRID.


6. Eu percebi, pelos seus agradecimentos, que você reflete sobre a contribuição da pesquisa para a saúde pública, correto? Quer comentar um pouco sobre isso? Sobre as implicações da sua pesquisa nessa dimensão?

Renan: Perfeito. As Leishmanioses atingem atualmente um total de 98 países e são responsáveis por aproximadamente 70 mil mortes por ano no Mundo todo. Neste cenário, o melhor entendimento sobre a patogênese da doença torna-se extremamente necessário para fins de melhores diagnósticos e tratamentos. Nosso trabalho fornece evidências suficientes para ambos. O que sugerimos é que, assim que diagnosticados com Leishmaniose, os pacientes sejam testados para a presença do vírus LRV e, caso seus parasitos sejam positivos para este, que possuam um manejo clínico diferenciado, com tratamento imediato com medicações já aprovadas (antimoniatos, por exemplo) e futuras medicações que bloqueiam os efeitos do LRV, cujos alvos são apontados pelo nosso trabalho (receptores TLR3, NLRP3 e Caspase-11, por exemplo). 


7. Na sua epígrafe, você citou três autores: um filósofo, um cientista e um escritor/poeta. Geralmente na epígrafe colocamos algo que é bem representativo da nossa visão de mundo. Gostaria de comentar um pouco sobre as suas escolhas?

“A vida sem Ciência é uma espécie de morte” (Sócrates)

"Muita gente afirma que o intelecto faz um grande cientista. Estão errados, é o caráter” (Albert Einstein)

“Tempos ruins tem sua importância científica. São ocasiões que um bom aprendiz não pode desperdiçar” (Ralph Waldo Emerson)
 

Renan: Eu me defino como um socialista utópico e que vê na Ciência e nos estudos as únicas fontes possíveis de informação de qualidade. Para gerar conhecimento de forma precisa e eficaz, contribuindo para o avanço e compreensão do Mundo em que vivemos, temos de ser capazes de discernir e criticar o que é certo e o que está errado, independente das dificuldades impostas nas diferentes particularidades sociais/profissionais/pessoais individuais. Desta forma, a escolha dessas 3 frases, ditas por diferentes formadores de opinião, contextualiza, de forma precisa, as vertentes que utilizo no dia a dia da minha profissão de cientista. 


8. Em especial a frase sobre os tempos ruins, acredito que seja impossível dissociar isso do papel que a ciência tem tido na crise atual. Para você, existe algum legado positivo da pandemia?

Renan: Com certeza. Se tem algo “positivo” que pode-se tirar deste cenário caótico gerado pela pandemia, é o quanto a Ciência mostra-se fundamental para combatermos as doenças que afetam os seres humanos. Acredito que a sociedade vai se dar conta dessa necessidade e apoiar os cientistas e suas lutas cada vez mais; os próprios cientistas estão percebendo quão colaborativa e dinâmica a Ciência ainda pode ficar. Nunca avançamos na compreensão de uma doença em tão pouco tempo, e isso se dá muito por conta da Ciência Básica gerada no período pré-pandemia, que já nos forneceu importantes informações acerca dos outros coronavírus então estudados. A Ciência Básica está e estará, cada vez mais, provando o seu valor imprescindível para o avanço científico.

9. Renan, agora que você finalizou o doutorado, quais são suas perspectivas? 

Renan: Assim que terminei meu doutorado, em setembro de 2019, continuei no lab. do Prof. Dario como pós-doutorando, por alguns meses. No momento, estou realizando meu segundo pós-doutorado aqui em Nova York, em um dos principais laboratórios do Mundo especializados no estudo de linfócitos B (aqueles que produzem anticorpos). Tem sido uma experiência bastante enriquecedora, em todos os aspectos, principalmente pelo fato de ter saído da minha zona de conforto (da área de imunidade inata, onde foquei meu Doutorado) e ter mergulhado de cabeça num ramo da Imunologia ainda pouco explorado e conhecido por mim. Em breve, espero estabelecer meu próprio laboratório, com minhas próprias linhas de pesquisa, em algum lugar do Mundo. Mas vamos com calma, gosto de pensar em um passo de cada vez e, no momento, estou focado cada vez mais em aprender. Assim como sempre deve ser…

10. Se as pessoas quiserem saber mais sobre sua pesquisa, como elas podem acessá-la? 

Renan: Os dados gerados durante meu Doutorado renderam uma boa quantidade de literatura, que pode ser acessada diretamente nos sites das revistas onde foram publicados. Para conferirem em melhores detalhes, forneço abaixo alguns links que podem ser úteis: 

Currículo Lattes, LinkedinTwitter, ORCID

Laboratório de Patogenicidade Microbiana e Imunidade Inata (Prof. Dario Zamboni)

Laboratory of Lymphocyte Dynamics - Gabriel D' Victora - Rockefeller University

 

Entrevistado: Renan de Carvalho, Postdoctoral Fellow at Rockefeller University
Entrevista realizada por: Flavio Pinheiro Martins, CRID - Difusão e Ensino, Revisão: Anna Flavia Lima

REFERÊNCIAS:

de Carvalho, Renan Villanova Homem. (2019). O papel do vírus de RNA de Leishmania na modulação da resposta imune inata, 2019. 149 p. : il.. Tese de Doutorado, apresentada à Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto/USP. Área de concentração: Imunologia Básica e Aplicada. Orientador: Zamboni, Dario Simões.

Jervis, S., Chapman, L. A., Dwivedi, S., Karthick, M., Das, A., Le Rutte, E. A., ... & Hollingsworth, T. D. (2017). Variations in visceral leishmaniasis burden, mortality and the pathway to care within Bihar, India. Parasites & vectors, 10(1), 1-17.

World Health Organization (WHO).Health topics: Leishmaniasis. Disponível em :<https://www.who.int/health-topics/leishmaniasis#tab=tab_1>. Recuperado em 03 de março de 2021

Assine nossa newsletter