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16/03/2021

Um olhar sobre o futuro das mulheres na Ciência (e como a pandemia muda isso) por Larissa Dias da Cunha

Prof. Dra. Larissa Dias da Cunha
Coordenadora dos estudos sobre a COVID-19 do CRID
Recentemente laureada com o Prêmio Mulheres na Ciência
 
 

       Nunca foi fácil, acho que é uma carreira que jamais será fácil, mas estabeleçam suas metas, busquem e cultivem seus aliados, tenham paciência e resiliência e aprendam a reconhecer e lutar toda vez que sentirem os sinais da síndrome de impostora (quem nunca?). Vale a pena SIM ser cientista.

 

Após concluir meu pós-doutorado no exterior em meados de 2018, me juntei ao Depto. de Biologia Celular e Molecular e Bioagentes Patogênicos da FMRP, primeiramente como Profa. Visitante e Jovem Pesquisadora, e posteriormente como Professora Doutora, em Fevereiro de 2020. Fiz meu doutorado pela FMRP e tinha como meta retornar a Ribeirão Preto e à USP como docente – o ambiente de pesquisa, a possibilidade de financiamento robusto pela FAPESP e a massa crítica da FMRP sempre foram grandes atrativos pra mim. Nesse curto período desde o meu retorno, tenho colaborado intensamente com os pesquisadores do CRID, o que tem sido importante para consolidar o nosso grupo de pesquisa nascente. Além disso, tenho aprendido que estabelecer uma rede de colaboradores é fundamental, não apenas para conduzir projetos de excelência, mas para dividir experiências, frustrações, dúvidas e inseguranças. Não importa quantos anos você está no meio acadêmico, cada nova etapa é um recomeço, e sozinha (o) não se vai muito longe.

Para quem está no início da carreira como pesquisadora independente, a pandemia que vivemos mudou completamente a perspectiva de trabalho e as metas para um futuro próximo. Nesse reinventar do que pretendemos (e podemos) fazer, tem sido extremamente construtivo fortalecer o trabalho colaborativo com diferentes grupos de pesquisa do CRID, de forma que dentro de cada uma das nossas especialidades soubemos construir um trabalho conjunto e responder à altura a demanda urgente da nossa sociedade. Para uma cientista de formação e atuação na área básica, é de fato uma experiência única. Como pesquisadora, sairei madurecida e confiante que fazemos sim a diferença, não importa o cenário.

Nosso grupo tenta desvendar os mecanismos da desregulação da resposta imune inata que contribuem para a patogênese da COVID-19. Nesse sentido, demonstramos recentemente que a fagocitose de células mortas infectadas com SARS-CoV-2 modula a programação gênica dos macrófagos. Além de induzir a produção exarcebada de citocinas (que pode estar relacionada à hiperinflamação), macrófagos que fagocitam células apoptóticas infectadas perdem a capacidade de reconhecer e eliminar outras células mortas, o que no contexto infeccioso pode contribuir para o acúmulo de dano tecidual, aumento na circulação de ‘sinais de perigo’ originados de células necróticas e potencialmente gerar uma resposta autoimune.

Porém, enquanto essa situação, que acreditamos que duraria meses, tem se arrastado por mais de um ano (e ainda sem previsão realista de fim), além do foco em produzir pesquisa de qualidade, tenho me preocupado com o impacto negativo e duradouro que a pandemia poderá ter sobre a participação feminina na ciência.  O problema é real, palpável, bem conhecido e, obviamente, precede o momento atual. Entre jovens cientistas (pós-graduandos, pós-doutores e docentes em início de carreira), a porcentagem de homens e mulheres tende a ser similar. No entanto, ao longo da carreira, as diferenças se tornam cada vez maiores: entre professores titulares da USP, pesquisadores níveis 1A do CNPq e membros da Academia Brasileira de Ciências, o número de mulheres cai abaixo de 20%. Precisamos também olhar para a nossa realidade mais próxima: as mulheres lindas que ilustram esse especial sobre Mulheres na Ciência correspondem a 52 % dos alunos e pós-docs da força-tarefa de COVID-19 dos pesquisadores CRIDianos de Ribeirão Preto, e 3 de 4 trabalhos publicados ou em preprint sobre COVID-19 do grupo têm mulheres como primeiro-autoras. No entanto, entre os pesquisadores principais do CRID, há apenas uma mulher (Profa. Rita Tostes), o que corresponde a 12.5%. As razões que levam a essa pirâmide são complexas, porém esse quadro tenderá a se agravar rapidamente, já que a pandemia tem afetado desproporcionalmente as mulheres. Sobre elas, tendem a cair não só os cuidados com os filhos, mas a obrigação social de prover o bem-estar físico e emocional dos demais membros familiares.  Os números em relação a redução da produção científica por mulheres em comparação aos homens (em especial em relação às pesquisadoras líderes de grupos de pesquisa) são alarmantes, e exigirão uma atuação rápida e contundente da comunidade acadêmica e do meio científico para evitar um retrocesso desolador.

Ações afirmativas (como revisão de critérios para financiamento, revisão de critérios de progressão da carreira, estabelecimento de critérios de equidade no processo de revisão de manuscritos, ações diretas para equalizar número de homens e mulheres em reuniões científicas) parecem mitigantes, mas em conjunto poderão fazer a diferença em curto e médio prazo. De fato, já é visível que uma parte delas já estavam sendo incorporadas para tentar reduzir o desbalanço entre homens e mulheres na progressão da carreira científica, e tentar expandir a participação feminina de liderança. Ações muitas vezes conduzidas por figuras masculinas proeminentes nas universidades, nas sociedades científicas e nos grandes grupos de pesquisa, e que são nossos aliados fundamentais nesse processo. Homens que, assim como nós, estão cada vez mais conscientes de que não é simplesmente “mimimi” ou “piti” ou uma situação em “que se fosse homem, agiria diferente”. No dia-a-dia, dividimos a bancada com colegas muito mais conscientes e preocupados em reduzir essa desigualdade. Pessoalmente, começo a acreditar que uma mudança maior de mentalidade está ocorrendo. Critérios de excelência em ciência estabelecidos em meio a vivências pessoais e profissionais tão desequilibradas entre homens e mulheres na nossa sociedade nos colocam nessa eterna corrida atrás da rainha vermelha. Quanto mais reconhecemos, debatemos e agimos para equilibrar essas vivências, mais chances teremos de ver mais mulheres chegando ao topo como cientistas.

Para as jovens cientistas que estão na graduação, na pós-graduação, no pós-doc ou iniciando seus grupos de pesquisa, sigamos em frente! Nunca foi fácil, acho que é uma carreira que jamais será fácil, mas estabeleçam suas metas, busquem e cultivem seus aliados, tenham paciência e resiliência e aprendam a reconhecer e lutar toda vez que sentirem os sinais da síndrome de impostora (quem nunca?). Vale a pena SIM ser cientista.

Texto por: Prof. Dra. Larissa Dias da Cunha, Coordenadora dos estudos sobre a COVID-19 do CRID, Recentemente laureada com o Prêmio Mulheres na Ciência
Edição e revisão: Andreza Urba (Laboratório de Inflamação e Dor - LID) e Flavio Martins (CRID - Difusão e Ensino)

 

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